Notícias da Semana - 05/03 até 11/03/2011

sexta-feira, 11 de março de 2011





Notícias da Semana
05/03/2011 – 11/03/2011
SUMÁRIO

Fonte: Folha de S. Paulo
Caderno: Ilustrada
08/03/2011
JOÃO PEREIRA COUTINHO

SOUBE DA morte de Moacyr Scliar quando lia Moacyr Scliar. Haverá coisa mais irônica? Talvez não. Nem mais apropriada à leitura em causa: a editora portuguesa Cotovia resolveu publicar alguns livros fundamentais sobre o judaísmo. E um deles é "Judaísmo - Dispersão e Unidade", uma interpretação pessoal de Scliar sobre a matéria, originalmente lançada no Brasil em 2001.

E, nessa interpretação, o que abunda é a ironia: não apenas no estilo de Scliar, que sempre tive como um dos melhores escritores brasileiros contemporâneos. Mas em atribuir ao humor um dos traços fundamentais da condição judaica.

O que não deixa de ser bizarro: os judeus, explica Scliar, estão longe de ser os únicos perseguidos na história. Como lembrava Churchill, a história da humanidade é a história dos seus recorrentes massacres.

Mas o que distingue os judeus não é a perseguição "per se". É a continuidade milenar dela. Como explicar essa continuidade?

Não existem respostas definitivas. Mas a melhor tentativa é de George Steiner, para quem a humanidade nunca perdoou os judeus pela suprema ousadia de terem criado um deus vigilante e castigador. A humanidade nunca perdoou os judeus por eles terem oferecido uma consciência moral aos homens.

Moacyr Scliar ocupa-se dessa "consciência moral" e, recuando até os tempos bíblicos de Canaã, desenha com palavras a monotonia do deserto e o Deus único que dele só poderia emergir. É fácil ser politeísta quando a natureza em volta reflete riqueza e diversidade. Mas, no deserto, monotonia é monoteísmo.

O monoteísmo teve consequências. Scliar não se ocupa das consequências científicas dessa verdadeira revolução intelectual: a existência de um único Deus criador, capaz de dotar o mundo de leis que podem ser racionalmente descobertas, é a base do pensamento crítico.

Scliar prefere as consequências filosóficas e, uma vez mais, humorísticas. Falar com um Deus só é diferente de falar com vários. Uma questão de "intimidade". Um Deus só, sobretudo um Deus que gosta de testar as suas criaturas com provas e provações, é mais do que um patriarca; é um companheiro de estrada, com quem vamos conversando, debatendo, por vezes provocando.

Um dos casos notáveis desse espírito encontra-se em Tevie, personagem de "Um Violinista no Telhado", que vai polvilhando a sua submissão a Deus com críticas e remoques. Inevitável: quando a vida terrena não é fácil, o cliente tem toda razão para protestar com a chefia.

E a vida não foi fácil para os judeus da diáspora. O humor é o produto dessas privações. Mas, na era moderna, o humor não foi a única saída para a condição precária dos judeus dispersos.

Muitos judeus preferiram pegar em armas, seguir o camarada Karl Marx e construir o socialismo, sobretudo na Rússia de 1917. Iniciavam um processo que, sobretudo com Stálin, acabaria por destruir a eles também.

Outros, depois do vergonhoso caso Dreyfus, que mostrou à Europa o caráter inapelável do antissemitismo mesmo na mais cosmopolita das cidades modernas, entenderam que a solução para a precariedade residia num lar nacional judaico. A criação de Israel, já depois da Segunda Guerra e do Holocausto, foi a resposta a essas aspirações.

E os restantes optaram pela emigração. Para os Estados Unidos. Para a América Latina. Para o Brasil. Será possível pensar na vitalidade cultural e científica de Nova York ou de São Paulo sem a impressão digital judaica? Sei do que falo: a perseguição e a expulsão dos judeus da península Ibérica no século 16 foi uma contribuição determinante para o atraso econômico e mental de Portugal e Espanha.

O livro de Moacyr Scliar é uma introdução brilhante para a história do judaísmo: cruzando fontes bíblicas com documentos históricos, sem esquecer a tradição oral e o sr. Woody Allen, meu único lamento é não poder continuar uma conversa epistolar com Scliar, que começou anos atrás, quando publiquei na Folhaum texto crítico sobre sua santidade Simone Weil.

Minha derradeira esperança é poder continuar a conversa lá em cima, quando minha hora chegar. Só espero que, nas portas do paraíso, Scliar possa dizer a mim o que ele esperava que Deus lhe dissesse: "Já não era sem tempo".jpcoutinho@folha.com.br


Fonte: O Estado de S. Paulo
Caderno: Caderno 2
Com rara erudição, cortante crítica social e observações cáusticas, textos de Moacyr Scliar apontam sempre para as questões essenciais da tragédia humana
06 de março de 2011 | 0h 00
Guiomar de Grammont - O Estado de S.Paulo

Moacyr Scliar era daquelas pessoas sem reposição. Nunca mais haverá ninguém como ele, tão solícito com os amigos, tão discreto e elegante diante de uma confidência, tão generoso ao dar um bom conselho. Ele era, como muitos vêm lembrando, nosso Príncipe das Letras, caracterizava-se pela nobreza e solicitude no trato com as pessoas. Ele e Judith, a esposa que, em geral, o acompanhava em suas viagens, conseguiam tornar qualquer conversa agradável, passar alguns momentos com eles era um privilégio. Quando a conheci, julguei-a tão encantadora, que lhe perguntei se ela era "a segunda esposa do Moacyr". Os dois riram muito, pois eram casados há mais de 40 anos, a "primeira esposa" era ela mesma. Tentei, atabalhoadamente, explicar que havia julgado o par tão harmônico, ambos tão próximos um do outro, que não podia ser que tivessem acertado tanto logo de primeira, sem nenhuma tentativa prévia. Judith replicou, sorrindo: "Tu és uma figura, Guiomar!". A anedota entrou para o repertório dos Scliar e tive que confirmá-la algumas vezes, junto de outros amigos.
Fiquei muito surpresa quando, ao ser apresentada a Moacyr, ele contou que já me conhecia, pois havia lido meu livro sobre Don Juan, Fausto e o Judeu Errante em Kierkegaard. Passamos um par de horas falando sobre o judeu que vagava eternamente pelo mundo, sem repouso, lenda que o fascinava. Ele gostava de contar uma história em que sua mãe que, ele dizia: "Como toda mãe judia, só pensava em alimentar bem os filhos", ao perceber que seu irmão não comia nada, o seguiu e descobriu que o pequeno rebelde recusava a comida dela, mas pedia alimento aos operários que faziam uma obra em frente à rua. "Foi aí que minha mãe, antes do Lula, fez o primeiro pacto com os operários da história do Brasil...", dizia Moacyr, arrancando gargalhadas da plateia. E completava: ... "ela passou, então, a encher a marmita dos operários para que o filho não deixasse de comer sua comida". A plateia ia abaixo, de tanto rir, mesmo que já tivesse ouvido a história, tamanha era a graça com que ele a contava.
A cultura judaica, matéria de muitos de seus livros, para ele, era marcada por contradições, como revela seu interessante ensaio, O Enigma da Culpa, em que desfia muitas histórias de sua juventude. Como memória de infância, porém, sempre julguei que o livro que realmente retratava o imaginário esfuziante do menino que viria a se tornar um dos maiores escritores brasileiros, era A Guerra no Bom Fim, seu primeiro romance, um conjunto de histórias fantásticas, vividas na época da 2.ª Guerra, nessa espécie de país surreal que, não por acaso, tinha o nome do mesmo bairro de imigrantes judeus de Porto Alegre, em que Moacyr havia crescido. Ali moravam o menino Joel e sua turma, mas Bom Fim era também povoado por personagens extraordinários, como Kafka, Chagall e também super-heróis de revistas em quadrinhos da época, além de personagens não menos fantásticas, como uma sensual jumenta que arrebatava os corações dos homens.
O primeiro livro que li de Moacyr foi A Mulher Que Escreveu a Bíblia e passei a ler todos que ele publicava, desde então. Lembro-me que tinha chegado de viagem e devia ainda buscar condução para Ouro Preto, mas o livro era tão envolvente que não consegui tomar nenhuma providência para comprar passagem de ônibus, enquanto não o terminei. Nesse livro, que passei a presentear, emprestar e recomendar a todas as pessoas que eu conhecia, um professor de história faz experimentos não ortodoxos em seus alunos das virtudes da "terapia das vidas anteriores" e, por essa estranha via, surge a voz da narradora, uma concubina de Salomão invocada nos experimentos espiritualistas. O livro é a narrativa das peripécias tragicômicas dessa mulher de natureza apaixonada, porém, de feiura sem remédio, para fazer com que o rei a escolha, dentre as 700 esposas de seu harém. Finalmente, Salomão acaba atraído pela inteligência de sua consorte, a qual teria sido a verdadeira fonte de todas as sábias decisões atribuídas ao rei pela tradição. O soberano lhe confia a tarefa de escrever uma narrativa histórica que culmine com a descrição de sua glória e poder. Não por acaso, o livro virou peça de teatro, tão delicioso e engraçado o discurso da personagem.
Talvez para justificar as divertidas interpolações de expressões contemporâneas nas histórias bíblicas, Scliar utilizava com frequência o recurso, comum na literatura romântica, de inserir uma história dentro de outra. Frequentemente, personagens do presente, como médiuns ou professores, eram os narradores do enredo, contado, em geral, em primeira pessoa, sem mediações. Dessa forma, ele reinterpretava as passagens da Bíblia, fazendo a crítica do presente através de curiosos anacronismos, como no recente Manual da Paixão Solitária, em que Judá sonha em abrir uma franquia - que fará muito sucesso e se espalhará em tendas pelo deserto - para explorar o extraordinário dom de interpretação de sonhos de seu irmão José. As figuras lendárias do livro sagrado acabavam personificando vícios e virtudes dos seres humanos. Apesar da cortante crítica social, Moacyr tinha tanta simpatia por seus personagens, que não era difícil nos identificarmos com suas mazelas e fraquezas, com seus atos impensados e desejos recônditos. Em uma das vezes em que mediei mesas com ele, perguntei a meu amigo por que recorria à Bíblia para falar da vida atual. Sorrindo, ele respondeu que assim era mais seguro. Não corria risco de nenhum conhecido julgar que fora retratado em seus livros.
Em vários das suas obras, como é o caso desse maravilhoso best-seller, em que a protagonista escreve para superar suas desventuras e também do Shelá de Manual da Paixão Solitária, a escritura confere a seus personagens um lugar no mundo. O narrador escreve para dar vazão a desejos não realizados. Escrever é ato que realiza e redime, faz com que o homem supere as limitações impostas pela existência.
Certa vez, na Bienal de Minas, alguém enviou um twitter estranhando que apresentássemos Moacyr Scliar como um escritor irônico, pois a imagem que tinham dele era de um senhor sério e engravatado. Da mesma forma, achei graça quando alguns alunos que o haviam conhecido no Fórum das Letras me manifestaram quanto ficaram surpresos e encantados com seus livros. Acharam incrível que aquele senhor sábio e simpático, que lhes lembrava os mestres do filme Guerra nas Estrelas, fosse o autor de uma literatura com tanto erotismo e sarcasmo. Ficaram maravilhados com as observações cáusticas do autor sobre a vaidade, as pretensões e a concupiscência da humanidade.
Ele sempre tinha um bom conselho: em Ouro Preto, quando lhe disse que estava escrevendo um romance sobre a Guerrilha do Araguaia, me disse para continuar a ler tudo que pudesse encontrar sobre esse episódio da história brasileira. Porém, ao contrário do que eu fazia no trabalho acadêmico, ao escrever ficção, devia deixar de lado as fontes de pesquisa e "soltar o verbo, o mais livremente possível". Essa delicadeza era parte dele, uma característica de seu espírito generoso, sempre disposto a ouvir e compreender as inquietações mais simples dos jovens escritores que o procuravam. Em Salvador, em um café da manhã, me advertiu que jamais, em hipótese alguma, devia confessar que havia esquecido o nome da pessoa para quem deveria dedicar um livro. Disse, com o gostoso sotaque do Sul: "Tu não te lembras daquela pessoa, mas ela está ali, satisfeita porque tu fizeste parte da vida dela e nunca te perdoará o esquecimento". Ele e Judith me fizeram rir, contando casos sobre situações em que Moacyr precisou encontrar uma saída de emergência.
Ele costumava escrever mais de um livro por ano e já havia publicado mais de 70. Contei-lhe que seu conterrâneo, o escritor Amílcar Bettega, me disse que, em Porto Alegre, circulava a lenda de que Scliar tinha uma legião de anões que escrevia por ele. Dias depois, em Lyon, no Festival Belles Latinas, sem saber que esta seria a última vez que veria meu amigo querido, lhe perguntei: "Como é isso, como consegue ser tão profícuo?". Ele me disse que escrever tinha se tornado como "respirar" e que eu devia "escrever sem parar, para exercitar". A sábia Judith comentou: "Moacyr tem uma concentração impressionante. Ele escreve o tempo todo, até no avião". E fazia-o, sempre, com rara erudição, apontando sempre para as questões essenciais da tragédia humana.
Escreveu ensaios sobre os mais diversos assuntos, sempre com uma percepção acurada do absurdo da existência. A medicina, além do interesse pela saúde pública, também fornecia matéria para as reflexões delirantes de seus personagens. Não é incomum, em sua ficção, que um órgão do corpo humano comece a narrar suas desventuras, ainda que através da imaginação da pessoa que o abriga. Esse recurso é hilariamente utilizado em seus últimos livros, como no interessante Eu Vos Abraço, Milhões, sobre a febre proselitista do marxismo no início do século. Em seus livros, espermatozoides, baço, próstata metaforizam ambições e angústias humanas. As referências escatológicas apontam sempre para a finitude do corpo, ínfimo e desprezível. A vontade do homem não é nada diante das imperiosas necessidades biológicas.
Moacyr Scliar ganhou notoriedade internacional ao ser vítima do plágio do tema insólito e genial criado por ele no livro Max e os Felinos, em que um jovem alemão embarca em direção ao Brasil para escapar ao nazismo. Porém, o navio transporta também animais a um zoológico e a turbulenta carga acaba fazendo-o naufragar. Max escapa em um barco, contudo, subitamente, para seu terror, um outro sobrevivente salta do navio para viajar com ele: é um jaguar. Além de revelar a extraordinária potência onírica de sua imaginação, a novela, que alcança profundidade metafísica, é uma alegoria da truculência da ditadura. O escritor canadense Yann Martel se apropriou do ponto de partida e construiu um romance semelhante, ainda que mais centrado na relação entre o homem e o divino. O assunto chegou aos noticiários internacionais porque o canadense acabou ganhando o prestigioso prêmio Booker com essa obra. Até aí tudo estaria bem, nada é original no mundo (exceto, talvez, a literatura de nosso autor), contudo, o problema é que Martel esforçou-se por esconder essa influência. Em seu prefácio, entre muitos agradecimentos, sem mencionar Moacyr Scliar, o canadense atribui o tema central de seu livro à vida, motor da inspiração. Em nenhum momento ele menciona Max e os Felinos e, quando foi questionado, ele disse que tinha sido inspirado por "uma crítica depreciativa sobre o romance de um escritor menor da América do Sul", escrita por John Updike no New York Times. Esse jornal havia, de fato, publicado uma crítica do livro de Moacyr Scliar, porém, muito elogiosa e assinada por Herbert Mitgang. Tive a oportunidade de inquirir Moacyr Scliar sobre esse fato quando mediei mesa com ele na Maison d"Amérique Latine, de Paris e, sem deixar de manifestar seu desapreço pela atitude do colega, nosso autor soube colocar a questão em termos elevados, buscando tirar dela lições mais universais. Moacyr lembrou que o problema não era o fato de ter sido plagiado, mas a forma como a literatura latino-americana é tratada no mundo, o desequilíbrio de forças com que temos que lidar no mercado e na mídia internacionais.
A sensação que temos, todos os amigos, é de que Moacyr não morreu, está apenas em meio a mais uma viagem e vai responder, mesmo em trânsito, às nossas mensagens, descobrindo, de todas as formas, um pequeno espaço em sua agenda impossível para nossos convites, muitas vezes, apenas pelo prazer de nos encontrarmos. Ele sabia que o interesse pela literatura só se mantém no contato com os leitores. Folheio agora seus livros, e há tanta vida no estilo febril e despudorado, que o escritor me faz sorrir a cada linha. Ele escrevia com tanto prazer que essa sensação se comunica a quem o lê. Moacyr Scliar estará sempre vivo, em seus livros e na memória de todos que o conheceram.


Fonte: Valor Econômico
Caderno: Eu e Fim de Semana / pg. 30
Eliana Cardoso | De São Paulo
11/03/2011

Quem curte literatura também gosta de ler o que dizem narradores e poetas sobre o processo criativo. As análises costumam vir recheadas de conselhos que despertam enorme interesse - como, por exemplo, o interesse pelas recomendações de Rainer Maria Rilke nas "Cartas a um Jovem Poeta". O conselho maior? Procure sua voz e mergulhe dentro de si mesmo para descobrir suas verdades pessoais e únicas.

Escutar a sugestão de Rilke é fácil. Completar a façanha recomendada são outros quinhentos. O escritor aspirante há de experimentar essa mesma reação também frente ao conselho que Cortázar oferece ao contista: encontre o tema excepcional. Excepcional, não no sentido de extraordinário, misterioso ou insólito. O assunto pode ser trivial, porque o que conta é a emoção que o tema desperta no autor. Ela o torna capaz de dar, a um tema corriqueiro, a qualidade do ímã que aglutina uma realidade infinitamente mais vasta à matéria escolhida. Em seguida (e tão importante quanto o tema) vem o estilo feito de intensidade e tensão. Uma tarefa difícil...

Considerações mais detalhadas que as reflexões de Rilke e Cortázar - mas, nem por isso, mais fáceis de seguir - estão em "Como Escrevo", no livro "Sobre a Literatura", de Umberto Eco (Record, 2003).

Sabemos que Umberto Eco encarna dois profissionais diferentes. O primeiro é a autoridade sobre a estética de São Tomás de Aquino, professor de semiótica na Universidade de Bolonha. O segundo e mais famoso é o romancista - autor de "O Nome da Rosa", que já vendeu mais de nove milhões de cópias desde sua publicação. Eco pode dar-se ao luxo de usar sua face de crítico literário para analisar seu ofício de narrador.

Como na prescrição de Cortázar, o primeiro passo recomendado por Umberto Eco é encontrar o tema. E, para ele, os temas surgem de imagens. A que inspirou "O Nome da Rosa" - e caiu sobre a cabeça do escritor como um coup de foudre - foi a figura do assassinato de um monge numa biblioteca.

O passo seguinte é construir um mundo. Antes de começar a escrever "O Nome da Rosa", Umberto Eco passou um ano desenhando, esboçando espaços, montando diagramas. O mundo que ele estava inventando tinha de ser o mais preciso possível para que ele pudesse se mover dentro dele com total confiança. Ele desenhou também cada um dos monges do mosteiro.

No segundo romance, o processo tornou-se ainda mais elaborado. O processo de criação do mundo de "O Pêndulo de Foucault" demorou cerca de dois anos e o autor passou noite após noite no Conservatoire des Arts et Métiers - onde ocorrem os eventos mais importantes de seu livro.

Inventado o mundo, chega a hora do estilo, que, necessariamente, deriva da etapa anterior. Em "O Nome da Rosa", o estilo é o do cronista medieval: exato, ingênuo e cheio de espanto. Em "O Pêndulo de Foucault", ao contrário, há uma multidão de vozes.

Umberto Eco argumenta ainda que o mundo criado pelo autor não pode ser independente da história, que deve obedecer a uma estrutura de restrições e ritmos temporais. O bom é que parte da beleza da criação é a escolha dessas restrições. Em "O Nome da Rosa", a história tinha de seguir a sequência do Apocalipse, começar com a chegada de William e Adso ao monastério e terminar com a partida deles.

Mas, em "O Pêndulo da Foucault", há o movimento pendular sugerido pelo título do livro, que força uma estrutura temporal muito diferente do romance anterior.

Por último, Umberto Eco declara que só o autor ruim, mentiroso e narcisista diz que escreve para si mesmo. O único registro que escrevemos para nós mesmos (e, depois de usado, podemos jogar fora) é a lista de compras do supermercado.

O método de Umberto Eco - que cabe como uma luva na maioria dos best-sellers que ele produziu - parece tão racional e articulado que nos perguntamos se tal esquema se aplicaria à produção de um clássico. O autor deve acreditar que sim, pois "Como Escrevo" segue bem de perto a leitura que Eco faz da "Filosofia da Composição" de Edgar Allan Poe. Essa leitura aparece em capítulo anterior do mesmo livro, dedicado à análise da "Poética" de Aristóteles.

Naquele capítulo, Umberto Eco declara que a narrativa é uma necessidade biológica. Concordo com essa verdade verdadeira. Talvez porque a experimentei na pele cada vez que minha mãe me mandava parar de ler, apagar a luz e ir dormir. A fúria que eu sentia só podia ser a revolta da necessidade contrariada.

Umberto Eco diz também que, quatro séculos antes de Cristo, Aristóteles já estabelecera as regras da construção de enredos. Elas ainda continuam válidas e uma boa história de detetive nada mais é que a "Poética" de Aristóteles reduzida a seus elementos essenciais.

A mais completa experiência aristotélica que Eco viveu, diz ele, teve lugar ao ler "A Filosofia da Composição" de Edgar Allan Poe, na qual o escritor americano analisa - palavra por palavra, estrutura por estrutura - o nascimento, a técnica e a razão de ser de "O Corvo" (poema narrativo que Fernando Pessoa traduziu em 1924). O projeto de Poe é mostrar como a organização das palavras e sons - com a mesma precisão da solução de um problema matemático - provoca o efeito desejado.

"A Filosofia da Composição" talvez seja conjunto de regras para outros poetas. Ou, talvez, uma teoria da arte aplicada à experiência poética do autor que se vira tomado pelo desejo de fazer uma leitura crítica do próprio trabalho. Umberto Eco desconfia que a segunda hipótese seja a verdadeira e que Edgar Allan Poe talvez tenha derivado as regras que expõe naquele ensaio depois de ler o poema pronto. Eco levanta a hipótese de que, escrito o poema - que parece inspirado em impulsos inconscientes -, o poeta releu o trabalho e entendeu as razões pelas quais o poema produz tamanha emoção. De qualquer forma, a poética não pode deixar de formular as regras implícitas na prática dos poetas, mesmo que eles não estejam conscientes delas ao escrever.

"Sobre a Literatura" reúne ainda outras conferências e artigos de jornais numa coletânea rica e irregular. Os comentários sobre ficção vão desde "A Divina Comédia" de Dante até o "Manifesto Comunista". O capítulo mais longo é sobre "Sylvie" de Gérard de Nerval. O mais interessante é sobre o poder da falsidade.

Ali, Umberto Eco estabelece que a História (com H maiúsculo) tem sido em grande parte um Teatro de Ilusões (também com maiúsculas). O exemplo da crença na Terra chata durante a Idade Média serve como ilustração. Dois séculos antes de Cristo, Eratóstenes mediu o comprimento do Equador de forma bastante precisa, confirmando que sabia que a terra era redonda. Não há dúvidas de que Pitágoras, Parmênides, Eudoxus, Platão, Aristóteles, Euclides e Arquimedes sabiam da forma esférica do nosso planeta. Então, por que ocorre o debate entre Colombo e os sábios de Salamanca pouco antes da descoberta do continente americano?

Deixando de lado a necessidade da Igreja Católica de preservar seus dogmas, o fato é que nem os sábios de Salamanca nem Colombo sabiam da existência de um continente entre a Europa e a Ásia. Como os sábios acreditavam que a terra era maior do que Colombo calculava, consideravam que era loucura a ideia do navegador de dar a volta ao globo para ir à Índia. Os doutores estavam corretos sobre o tamanho do globo e Colombo, errado. Mas ao perseguir seu erro com determinação Colombo acertou na mosca e os doutores de Salamanca perderam o bonde.

Além do mundo plano, Umberto Eco examina outras teorias fantásticas - como a do gelo eterno e a da terra oca. Argumenta que as histórias falsas são persuasivas porque são histórias. E boas histórias, como os mitos, sempre o são. Mas isso, diz ele, não nos deve levar à conclusão de que critérios de verdade inexistem. O trabalho da comunidade garante a revisão de falsidades.

Mas, se hoje sabemos que a história da Terra chata era falsa, nem por isso podemos estar seguros de que aquilo que pensamos saber seja verdadeiro. Muito do que acreditamos hoje será falso no futuro. Enquanto isso, vamos em frente, satisfazendo nossa fome de narrativas.



Fonte: O Estado de S. Paulo
Caderno: Caderno 2
Um ano após a morte de José Mindlin, USP diz que nova biblioteca será aberta em 2012 e prepara livros para a mudança
09 de março de 2011 | 0h 00
Maria Eugênia de Menezes - O Estado de S.Paulo

A casa de José Mindlin vivia aberta. Amigos e pesquisadores eram sempre bem-vindos. Podiam circular entre as estantes, ver de perto e, não raro, ter nas mãos um exemplar autografado de Machado de Assis, uma primeira edição de Hans Staden, datada do século 16, um original de Vidas Secas, com anotações do próprio Graciliano Ramos. Dono daquela que é considerada a mais preciosa coleção bibliográfica privada do País, o bibliófilo era o avesso da imagem do colecionador ciumento. Não fazia questão de esconder seus objetos de desejo nem de enclausurar-se. Gostava de receber, mostrar os livros e falar sobre eles.
Passado um ano de sua morte, muita coisa mudou nessa coleção. As centenas de periódicos que ficavam guardadas em uma casa ao lado da sua já foram transferidas. Estantes trocaram de lugar. Não existem mais poltronas ou mesas para receber visitantes. E poucos são os pesquisadores que hoje podem consultar essas raridades.
"Estamos em um período de transição", diz Cristina Antunes, curadora do acervo. Doada à USP em 2006, a biblioteca se prepara para a mudança, que já tem data marcada para acontecer: 25 de janeiro de 2012. É no dia do aniversário de São Paulo que será aberto o prédio da Biblioteca Guita e José Mindlin na cidade universitária, garante o historiador Pedro Puntoni, coordenador do projeto.
Visitada pelo Estado, a construção já está em fase de acabamento. Com todas as paredes erguidas, o prédio de 14 mil m² começa agora a receber elevadores, instalações elétricas e dutos de ar-condicionado. Além da torre de livros - que terá três andares revestidos de vidro -, o complexo prevê ainda auditório, espaço de exposições e um café. Na mesma área, também será inaugurada posteriormente uma sede para o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) e sua valiosa biblioteca, com mais de 140 mil volumes.
"Será a mais importante Brasiliana de uma universidade em escala mundial", comenta Puntoni. Ainda que tenha conseguido reunir uma notável seleta de autores estrangeiros, foi pela sua Brasiliana que Mindlin fez fama. E é justamente essa parcela, equivalente à metade de sua biblioteca, que foi doada à USP.
Cerca de 70% dos pesquisadores que recorriam ao bibliófilo, vinham atrás desses títulos referentes ao Brasil, uma coleção que abarca ainda o acervo deixado por outro colecionador, Rubens Borba de Moraes.
Templo dos livros. Os planos para o espaço, porém, transcendem os estudos brasileiros. Segundo Puntoni, a intenção é criar um centro que tenha os próprios livros como foco. "É uma grande coleção para pesquisas sobre o livro em si: a história da tipografia, o design." Assinado pelos arquitetos Eduardo de Almeida e Rodrigo Loeb (neto de Mindlin), o projeto contemplará ainda um centro de livros raros, que estará apto a receber e restaurar adequadamente todos os exemplares dessa natureza espalhados pelas bibliotecas da universidade.
Além dos livros, caberá à tecnologia um lugar de especial relevo dentro da instituição. Se as raridades de seu acervo ficarão protegidas em uma torre com acesso restrito a funcionários e pesquisadores, a intenção é que todos os visitantes possam conhecer os 17 mil títulos, quase 40 mil volumes, por meio de dezenas de iPads, que já estão sendo comprados.
Enquanto as obras não ficam prontas, correm em paralelo os preparativos para receber os exemplares no novo endereço. "Já entramos em contato com empresas especializadas em transporte de obras de arte. Garantiram que conseguem levar tudo em uma semana", comenta Cristina Antunes, há quase 30 anos responsável pela biblioteca de Mindlin. Maior conhecedora do acervo, Cristina será transferida para a USP assim que a Brasiliana migrar. "A ideia da mudança ainda me provoca pesadelos. Vai ser difícil me despedir", prevê a guardiã, que hoje coordena a digitalização e supervisiona os detalhes da transferência.


Fonte: DCI
Caderno: São Paulo / pg. C8
11/03/11

são paulo - A Atividade Curricular de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão (Aciepe) "Brinquedoteca para todos", coordenada pela docente Fabiana Cia, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), reúne professores da rede de ensino e estudantes de graduação dos cursos de Educação Especial e Pedagogia da Universidade durante a realização de encontros para a elaboração de brinquedos direcionados a crianças portadoras de necessidades educacionais especiais.

As atividades, que acontecem na UFSCar e nas escolas de São Carlos, discutem estudos teóricos e processos da construção e aplicação de brinquedos voltados à estimulação e desenvolvimento infantil.

É o que explica a professora Fabiana Cia, os brinquedos e brincadeiras constituem instrumentos importantes na estimulação e desenvolvimento das crianças com necessidades educacionais especiais. "Perante o processo de inclusão e a escassez de brinquedos adaptados para alunos com necessidades educacionais especiais na Educação Infantil, a atividade tem seu foco na discussão e construção de material de estimulação, em parceria com os alunos dos cursos de licenciatura e professores pré-escolares que atuam na rede regular", explica.

As vagas direcionadas aos professores da rede ensino já foram preenchidas e o primeiro encontro da Aciepe acontece no dia 15 de março, no Auditório 1 do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, localizado na área Sul do campus São Carlos, que fica na Rodovia Washington Luís, km 235 - SP-310.

Maiores informações podem ser obtidas através do e-mail fabianacia@yahoo.com.br.

Rafael Diasagências


Fonte: Folha de S. Paulo
Caderno: Ilustrada
05/03/2011
Biografia de Cláudio Manuel da Costa recém-lançada traz relato detalhista da vida familiar do poeta e retrata homem dividido entre duas origens
SYLVIA COLOMBOEDITORA DA ILUSTRADA

Não é muito o que se sabe sobre Cláudio Manuel da Costa (1729-1789), considerado uma referência na literatura nacional por mestres como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Antonio Candido e outros.

Enquanto poetas das Minas da mesma época, como Tomás Antonio Gonzaga (1744-1810) -um pouco mais jovem que ele-, atingiram rapidamente a fama, Manuel da Costa demorou a ser divulgado amplamente.

Seu papel na Inconfidência Mineira [levante separatista reprimido pela Coroa portuguesa em 1789] é incerto e gera especulações.

Da vida pessoal, também sabe-se pouco, além do fato de que viveu com Francisca Arcângela de Sousa, escrava alforriada com quem teve ao menos cinco filhos (tampouco se sabe o número exato).

Nem mesmo seu rosto chegou de modo claro até nós, como se pode ver na ilustração desta página.

A dificuldade em obter informações está ligada ao fato de que seus bens e papéis foram sequestrados e destruídos após a Inconfidência. A historiadora da USP Laura de Mello e Souza desafiou a falta de rastros e compôs uma biografia, que sai pela "Perfis Brasileiros", da Companhia das Letras.

"Trata-se de um dos maiores poetas da língua portuguesa e não possuía estudo à altura, isso me motivou."

O livro faz um retrato cronológico da vida do poeta.

Primeiro, concentra-se nos anos da infância e da adolescência. Os pais de Manuel da Costa são mostrados como um casal diferenciado da média de seu tempo.

Afinal, sem ser excessivamente abastado, o pai, um português escravista típico, teria percebido o valor da educação e da cultura como forma de distinção social e mandado os filhos estudarem em Coimbra.

"Era um casal "sui generis", que conseguiu promover socialmente os filhos enquanto seus parentes da mesma geração, em Portugal, viviam ainda como lavradores."

Há um relato minucioso de como era a casa da família, levantando até os objetos de cozinha e os cobertores que seus integrantes usavam.

"Foi possível recolher esses detalhes com base no inventário do pai, uma documentação nova que permanecia desconhecida", diz.

Além desses papéis, Mello e Souza ressalta a importância, para o trabalho, da análise dos processos de habilitação dos irmãos junto à Coroa.

Segue-se, então, o tempo em que o poeta viveu em Coimbra e no qual fica clara sua condição luso-brasileira.

RETORNO

Mello e Souza conta que Manuel da Costa voltou ao Brasil ainda jovem, aos 24 anos, a contragosto e atendendo a um pedido da mãe, depois da morte do pai. Ocupou, então, vários postos na municipalidade de Vila Rica.

A pesquisadora reforça o fato de que Manuel da Costa era um homem dividido entre duas origens.

Explica que o escritor teria sido um típico letrado "à moda do mundo tardomedieval, renascentista e barroco, um dos últimos dessa estirpe"

Tem destaque na obra uma viagem que o poeta fez ao sertão das Minas e que o confrontou com o embate ou a convivência da civilização com a barbárie no novo continente. "Esse é um tema típico da ilustração, especialmente na América espanhola, e está no "Vila Rica" [principal poema do autor]."

INCONFIDÊNCIA

Mello e Souza não duvida de sua participação ativa na Inconfidência, mas não crê que desejasse um rompimento com a metrópole.

"Ele devia defender uma maior autonomia da Capitania e que ela devia ter um governo de ilustrados. Não acho que tenha visto com bons olhos a chegada de grupos mais radicais ao movimento, que queriam a separação", argumenta.

Quando o levante foi revelado, o poeta delatou companheiros e, depois, se suicidou. Embora exista, na historiografia, a hipótese de assassinato, esta é descartada pela historiadora.

"Conhecendo sua personalidade frágil, dividida, sou levada a acreditar na hipótese do suicídio", diz.

CLÁUDIO MANUEL DA COSTA
AUTOR Laura de Mello e Souza
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 39,50 (242 págs.)


Fonte: Folha de S. Paulo
Caderno: Ilustrada
05/03/2011
CLÁUDIO MANUEL DA COSTA
VIDA
Nasce no sítio da Vargem do Itacolomi, no bispado de Mariana, em 5 de junho de 1729; entre 1749 e 1754 estuda em Coimbra. Trabalha em cargos públicos em Vila Rica até envolver-se na Inconfidência Mineira. Em 4 de julho de 1789 é achado morto após delatar outros inconfidentes

PRINCIPAIS OBRAS
"Culto Métrico", "O Parnaso Obsequioso" e "Vila Rica"


Fonte: Folha de S. Paulo
Caderno: Ilustrada
07/03/2011
Milhares de imagens captadas durante as pesquisas do antropólogo estarão disponíveis na rede a partir de maio
Projeto financiado pelo MinC e coordenado pela Fundação Gilberto Freyre tem registros de viagens à África e à Ásia
MARCELO BORTOLOTI
ENVIADO ESPECIAL A RECIFE

O escritor e antropólogo Gilberto Freyre (1900-1987) era um homem de pouco traquejo com a tecnologia. Só escrevia textos à mão, nunca aprendeu a datilografar e nem sequer manejava um telefone. Pelo que se tem registro, jamais usou uma câmera fotográfica.

Isso não o impediu de produzir uma obra extensa, datilografada por terceiros, e de reunir uma farta coleção de fotografias, composta por mais de 17 mil imagens.

São registros de viagens ao exterior, de momentos com amigos, familiares e, sobretudo, de situações sociais usadas como base em suas pesquisas e textos.

las foram feitas por pessoas ligadas ao escritor, como o irmão, Ulysses, e o filho, Fernando, doadas a Freyre ao longo dos anos.

A partir de maio, essas imagens estarão disponíveis na internet, no site da Fundação Gilberto Freyre (www. fgf.org.br). O projeto de catalogação e digitalização começou em 2009. Custou R$ 250 mil, bancado pelo Ministério da Cultura.

No escritório onde Freyre trabalhava, até hoje preservado no museu da fundação, em Recife, pilhas de papéis com manuscritos, fotografias e recortes de jornal ficavam espalhados pelo chão.

Cada montanha dizia respeito a um projeto ao qual o escritor se dedicou. "Ele não seguia regras; não costumava usar as mesmas fontes dos acadêmicos. Eram critérios muito pessoais", diz Sônia Freyre Pimentel, filha do antropólogo.

Além das imagens utilizadas na pesquisa do livro "Casa Grande & Senzala", o acervo tem registros da expedição que Freyre fez, na década de 1950, às colônias portuguesas da África e Ásia. As fotos, tiradas sob sua orientação, seriam usadas posteriormente no livro "Aventura e Rotina", de 1953.

A maioria das imagens é inédita; algumas não foram identificadas por falta de referência. A ideia, segundo Jamille Barbosa, coordenadora do projeto, é que o trabalho seja colaborativo: "Vamos disponibilizar tudo, para que os pesquisadores ajudem no processo de descrição".


Fonte: O Estado de S. Paulo
Maria Eugênia de Menezes - O Estado de S.Paulo
De tão grande, Maria Bonita não conseguiu entrar em casa pela porta. Em 2009, quando chegou, foram necessários malabarismos para acomodá-la na sala. Hoje, porém, ocupa majestosa o centro da biblioteca de Guita e José Mindlin. Ela é o robô da Brasiliana USP, um projeto que pretende digitalizar os livros e documentos raros da universidade e dispô-los na internet.
Os trabalhos começaram pelo acervo do bibliófilo, mas obras de outras bibliotecas, como a da Faculdade de Direito e da Politécnica, já passaram pela máquina e hoje estão disponíveis para consulta na página www.brasiliana.usp.br. Quem acessar o site, já pode apreciar cerca de 1.400 títulos, entre eles álbuns ilustrados de Debret, periódicos do século 19 e uma primeira edição de Marília de Dirceu.
Bem-sucedido, o projeto começa agora a exportar tecnologia para outras instituições, como a Biblioteca Nacional e a Universidade Federal de Pernambuco. "Nossa intenção sempre foi disseminar a nossa experiência", diz Pedro Puntoni, coordenador da Brasiliana USP.
Atualmente, esclarece o professor, o robô consegue digitalizar de 10 a 12 livros por dia. Ainda que tenha capacidade para fotografar e tratar cerca de 2.800 páginas por hora, a máquina trabalha em ritmo mais lento por conta da idade e da fragilidade das edições raras.
Para acelerar os trabalhos, a USP deve ganhar em breve outros cinco robôs semelhantes a Maria Bonita e pretende alcançar a marca de 100 livros digitalizados por dia.


Fonte: Folha de S. Paulo
Caderno: Ilustrada
05/03/2011
Bibliófilos se preocupam com o futuro incerto dos comentários de leitores na era digital
DIRK JOHNSON
DO "NEW YORK TIMES", EM CHICAGO

Trancado em um depósito climatizado na Biblioteca Newberry, em Chicago, um volume de "The Pen and the Book" (a pena e o livro) só pode ser estudado sob a vigilância de câmeras de segurança.

O livro trata de como lucrar com a publicação de livros; não pode ser qualificado de obra-prima. Mas é altamente valioso porque um leitor rabiscou observações nas margens de suas páginas.

O rabiscador foi Mark Twain (1835-1910), que escreveu a lápis nas margens observações como a de que "nada poderia ser mais estúpido" que usar publicidade para vender livros, como se fossem "artigos essenciais" tais quais "sal" ou "tabaco".

Como muitos outros leitores, Twain estava criando marginália, ou seja, escrevendo comentários ao lado de trechos do livro e, ocasionalmente, criticando o autor.

Um passatempo literário interessante cujo futuro é incerto no mundo digital.

"As pessoas sempre encontrarão maneiras de fazer anotações eletrônicas", afirma G. Thomas Tanselle, professor de inglês da Universidade Columbia. "Mas há a questão de como elas serão preservadas."

É o tipo de questão discutida pelo Caxton Club, grupo literário fundado em 1895 por 15 bibliófilos de Chicago, que, com a Biblioteca Newberry, promove neste mês o simpósio "Os Livros de Outras Pessoas: as Cópias da Associação e as Histórias que Elas Contam".

O encontro terá um novo volume de 52 ensaios sobre livros que já pertenceram a autores ou receberam anotações deles e promoverá reflexões sobre como esses exemplares incrementam a experiência da leitura. Os ensaios tratam de obras que conectam Lincoln, Alexander Pope, Jane Austen, Walt Whitman e Henry David Thoreau.

PRÁTICA MARGINAL

A marginália era algo muito mais comum no século 19.

Samuel Taylor Coleridge foi prolífico escritor de anotações nas margens de livros, como também o foram William Blake e Charles Darwin.

No século 20, a prática de escrever nas margens passou a ser vista quase como pichação: algo que pessoas educadas e respeitosas não fazem.

Paul F. Gehl, curador da biblioteca Newberry, culpa gerações de bibliotecários e professores por nos terem "imposto a ideia" de que escrever em livros "estraga ou danifica" os mesmos.

Heather Jackson, professora de inglês na Universidade de Toronto, diz que, cada vez mais, livros com anotações nas margens são vistos como tendo mais valor, não apenas por alguma possível conexão com um leitor famoso, mas pelo que revelam sobre a comunidade de pessoas ligada a uma obra.

Jackson, que fará uma palestra no simpósio, conta que o estudo da marginália revela um padrão de reações emocionais entre leitores comuns -algo que poderia passar despercebido.

"Pode ser uma colegial revelando seus sentimentos ou namorados trocando ideias sobre o significado do livro."

ANOTAÇÕES

Para David Spadafora, presidente da Newberry, anotações nas margens enriquecem um livro, possibilitando a leitores inferir outros significados, e conferem contexto histórico a ele.

"A revolução digital é uma boa coisa para o objeto físico", diz. Quanto mais pessoas virem artefatos históricos sob forma eletrônica, mais "terão vontade de conhecer o objeto real."

Tradução de CLARA ALLAIN


Fonte: Folha de S. Paulo
10/03/2011

Dos 10.652 nomes da 1ª chamada do vestibular, 2.562 (ou 24%) não fizeram a matrícula; em 2005, foram 13%

Reitoria, escolas e MEC atribuem fato a aumento de vagas nas federais, seleção via Enem e bolsas e financiamentos

LAURA CAPRIGLIONE
FÁBIO TAKAHASHI
DE SÃO PAULO

A USP, maior universidade pública do país, cujo logotipo impresso em um diploma é símbolo de excelência, essa universidade foi, neste ano, esnobada por nada menos do que um em cada quatro alunos aprovados no vestibular.
Dos 10.652 nomes que constavam na primeira chamada da Fuvest (fundação para o vestibular), 2.562 não se apresentaram para a matrícula. O resultado dessa espécie de evasão instantânea é que nunca foi tão gorda a lista da segunda chamada.
Em 2005, de 9.567 aprovados na Fuvest, 1.243 desistiram da USP na primeira chamada -dava 13% do total.
Cursinhos, reitoria da USP e MEC atribuem o fenômeno: 1) à multiplicação de vagas nas universidades federais (e em algumas estaduais); 2) ao Sisu (Sistema de Seleção Unificada do ministério), pelo qual um estudante pode disputar vagas em várias universidades públicas, fazendo apenas uma prova (o Enem); 3) ao ProUni (bolsas de estudo na rede privada); 4) ao Fies (financiamento estudantil do governo federal), que concede empréstimos para pagamento de mensalidades a juros de 3,4% ao ano.
"Na prática, o aumento do entorno tem impacto", admite a pró-reitora de graduação da USP, Telma Zorn.
Segundo o secretário de Ensino Superior do MEC, Luiz Claudio Costa, foram firmados 71.600 contratos pelo Fies em 2010, 420 mil bolsas de ProUni estão atualmente em vigor e o sistema federal de ensino superior admitirá 243,5 mil calouros em 2012 (em 2003, eram 110 mil).
"São novas alternativas de qualidade oferecendo-se aos jovens de todo o país", diz.
Há desde o rapaz que prefere ir para uma escola privada perto de sua casa ou do trabalho até aquele que, para fazer o curso desejado em uma instituição federal, até topa mudar de Estado (28% das vagas em disputa no Sisu foram preenchidas por alunos "migrantes").
O fenômeno das desistências na USP tem afetado as escolas de maneira diferenciada. Se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo houve apenas uma desistência entre os 150 aprovados, o curso de fonoaudiologia de Bauru, com 40 vagas, ficaria às moscas se houvesse só a primeira chamada. Nada menos do que 39 evadiram-se antes da matrícula (97,5% do total).
Das 19 carreiras com índice de desistência maior ou igual a 40%, 16 estão em escolas do interior (Bauru, Ribeirão Preto, São Carlos, Pirassununga, Lorena).
A Fuvest já divulgou a terceira lista de aprovados, na expectativa de preencher 1.113 vagas ainda sem dono.
Os convocados, é óbvio, são candidatos que fizeram menos pontos do que os chamados na primeira e segunda listas. O curso de fonoaudiologia de Bauru, onde 65% das vagas continuam sem ter quem as queira, está chamando 26 estudantes.



Fonte: Folha de S. Paulo
10/03/2011
ENTREVISTA
DE SÃO PAULO

O fenômeno se deve à maior opção de universidades, e não à queda de prestígio da USP, diz Telma Zorn, pró-reitora de graduação. (LC e FT)

Folha - Como avaliar isso?
Telma Zorn - A situação está mudando, o aumento do entorno tem impacto. Unesp, Unicamp e as federais se expandiram, todas boas opções, felizmente. Tem também o ProUni, que mais que duplicou suas bolsas de 2006 a 2011.

O aluno não pode achar que a USP está inferior?
Nenhum aluno de bom senso pode achar a USP pior que as outras. Vai ao contrário de tudo: é gratuita, tem inúmeras possibilidades artísticas e de esporte, que não há em outra. Não há desprestígio.



Fonte: Folha de S. Paulo
10/03/2011
ANÁLISE
HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

Aos 77 anos, a USP precisa decidir o que quer ser quando crescer. Os números que a Folha publica hoje sugerem que a vetusta universidade paulista começa a ter arranhada sua até aqui incontestável posição de principal instituição do país.
É claro que a USP tem gordura para queimar. Ela aparece como primeira universidade brasileira em rankings internacionais e responde por cerca de 25% da produção científica do país.
Não é preciso, porém, ser gênio da matemática para prognosticar que, se os melhores alunos do ensino médio estão cada vez mais trocando a USP por outras instituições, é questão de tempo até que isso se reflita na excelência da universidade.
Apesar do marketing, o fator que mais pesa na qualidade de um curso ainda é a qualidade do corpo discente.
Existe, é claro, um lado bom nesse fato. Isso é possível porque surgiram bons centros em outros lugares, além de mecanismos -como Fies, ProUni e Sisu.
Não parece despropósito descrever o fenômeno como democratização do ensino superior. Isso cobra da USP um reposicionamento.
Há dois caminhos para a instituição. Ela pode tentar acompanhar e desenvolver novas formas de inclusão. A criação da USP Leste foi um passo. Mas é difícil afirmar que tenha sido um sucesso.
A outra possibilidade é tentar firmar-se como uma universidade de elite, voltada a formar os quadros que darão aulas em outras instituições e à produção de ciência básica. Embora muitos torçam o nariz à menção da palavra "elite", seguir essa rota não chega a ser estranho às tradições da USP.
Ficar no meio do caminho não parece uma opção sábia. De um lado, a democratização está ocorrendo. Alunos ricos ou pobres dependem cada vez menos da USP para cursar uma universidade.
De outro, a instituição enfrentará concorrência cada vez maior (mesmo fora do país) e deve pensar duas vezes antes de dispersar recursos em iniciativas que trarão dividendos duvidosos.



Fonte: Folha de S. Paulo
10/03/2011
Ranking da THE (Times Higher Education) aponta as cem melhores instituições do mundo; Harvard é a primeira
Rússia, Índia e China têm representantes na lista internacional; EUA se destacam com sete entre as dez primeiras
VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES

O Brasil avança na economia, mas tem um longo caminho a percorrer na educação. O país é o único dos BRICs a não ter nenhuma instituição de ensino superior entre as cem mais bem avaliadas por acadêmicos no mundo todo.
É o que mostra o novo ranking divulgado hoje pela THE (Times Higher Education), principal referência no campo das avaliações de universidades no mundo, que é baseada em Londres.
A Rússia aparece com a Universidade Lomonosov, de Moscou, na 33ª posição. A China tem cinco universidades no ranking (duas em Hong Kong e uma em Taiwan). A melhor é a Tsinghua, de Pequim, no 35º lugar. O Instituto Indiano de Ciência está na 91ª colocação.
Foram ouvidos 13.388 acadêmicos de 131 países para chegar à lista das universidades com melhor reputação
São estudiosos com, em média, mais de 16 anos de trabalho em instituições de ensino superior e 50 trabalhos científicos publicados.
Na liderança, mais uma vez, aparece a americana Harvard, que também lidera o ranking geral da THE divulgado em setembro de 2010 e que a Folha publicou com exclusividade no Brasil.
A diferença entre os rankings é que o geral leva em conta 13 critérios- relação estudante/professor, quantidades de alunos e professores estrangeiros, número de trabalhos científicos publicados, ênfase em pesquisa etc.
O índice de reputação, divulgado pela primeira vez pela THE, considera apenas a imagem que as instituições têm entre os acadêmicos.
Foi pedido que apontassem, entre mais de 6.000, até dez universidades como as melhores do mundo em seus campos específicos.

HARVARD
Os Estados Unidos são o grande destaque, com sete universidades entre as dez primeiras e 45 entre as cem.
Em seguida vem o Reino Unido, com duas entre as dez primeiras (Oxford e Cambridge) e 12 no total.
A surpresa é a Universidade de Tóquio, que aparece na oitava posição. No ranking geral, ela está no 26º lugar.
A Rússia também se destaca. A Lomonosov, em Moscou, é a 33ª com melhor reputação, apesar de nem constar do ranking geral da THE.
Com mais de 50 mil alunos, tem 11 ganhadores do Nobel e investe dinheiro público e privado em pesquisas.
Segundos especialistas, é justamente a falta de investimento em pesquisa que deixa as universidades brasileiras fora desses rankings.
Phil Baty, um dos responsáveis pelo estudo, diz que os rankings baseados em critérios objetivos são muito importantes, mas defende também os de reputação.
"Neste momento em que há uma grande disputa global pelo mercado de alunos e professores, uma boa reputação no meio acadêmico é crucial", afirma Baty.
Fora o Reino Unido, a Europa não aparece bem no ranking. A universidade suíça mais bem colocada está em 24º lugar. A alemã, em 48º. Nenhuma francesa está entre as 50 primeiras.
Itália, Espanha e Portugal não figuram no ranking.


Fonte: Folha de S. Paulo
10/03/2011

DE BRASÍLIA

O secretário de Educação Superior do MEC, Luiz Cláudio Costa, diz concordar com a necessidade de melhorar a imagem da universidade brasileira no mundo, mas, ainda assim, vê um "contrassenso" no resultado da pesquisa.
Para o secretário, os rankings não vêm refletindo a real produção científica nacional. "Somos o 13º país em produção de ciência nova, e a maior parte dela vem das universidades", afirma.
O MEC já vem avaliando programas para melhorar a condição das universidades, de acordo com Costa.
"Ter universidades entre as melhores do mundo não é status, mas desenvolvimento social, econômico, ambiental", diz o secretário.
Três pontos serão focos de ação dos programas: mais investimento, maior integração com instituições internacionais e mais autonomia.
"As universidades bem colocadas nos rankings são as que recebem mais recursos per capita. Apesar dos avanços dos últimos anos, ainda estamos recuperando a capacidade de investimento", diz.
Segundo Costa, o Brasil se tornou "roteiro científico importante" e é necessário aproveitar esse momento para deslanchar a internacionalização acadêmica.
"O Brasil precisa ter mais cursos de língua inglesa e, com apoio da Capes e do CNPq [órgãos de fomento à pesquisa], aumentar o fluxo de acadêmicos e professores visitantes."
Procurada ontem, a USP não se manifestou e nenhum representante da Unicamp foi encontrado.



Fonte: Folha de S. Paulo
10/03/2011

Instituição municipal vai para seu 3º endereço em 5 anos e pode ir para um quarto local ainda neste ano

Escola tem 160 alunos de 5 e 6 anos e estava na rua Augusta após sair da praça Roosevelt; prefeitura busca lugar

CRISTINA MORENO DE CASTRO
JOSÉ BENEDITO DA SILVA
DE SÃO PAULO

A Emei Patrícia Galvão, que atende a 160 alunos, de 5 e 6 anos de idade, está virando uma escola itinerante.
Sem teto desde 2007, quando foi desalojada da praça Roosevelt devido à revitalização no centro de São Paulo (que só começaria em outubro do ano passado), a escola foi para uma casa na rua Augusta, também na região central, ao lado do antigo hotel Ca'd'Oro.
Mas o imóvel ocupado pela escola será demolido, com autorização da prefeitura, e, junto ao prédio do hotel, vai virar um grande empreendimento imobiliário ainda em fase de projeto.
O contrato de aluguel com a prefeitura foi rescindido e o último dia de aula das crianças lá foi na sexta passada.
Agora, uma casa na rua Avanhandava, também no centro, está sendo reformada para alojar as crianças a partir da próxima segunda-feira.
Ontem, a Folha esteve no local e viu sacos de brita e grades soltas na entrada da casa, ainda cheirando a tinta nova. Os alunos tiveram as aulas suspensas até amanhã por causa da mudança.
E é possível que, ainda neste ano, a Emei vá para um quarto endereço, na rua Peixoto Gomide, como foi informado ao Conselho Escolar.
Todos os novos endereços são alugados pela prefeitura, enquanto não se encontra um local definitivo para a escola, que esteve na praça Roosevelt desde a fundação, em 1970, até agosto de 2007.
"A sensação de qualquer pai numa situação dessas é de impotência", diz o jornalista Fausto Salvadori Filho, cuja filha, de 5 anos, estuda na escola desde 2009.
"Não foi feito um planejamento a longo prazo. A escola fica pipocando de lugar em lugar e os pais tendo que adaptar suas rotinas."
Pais ouviram da direção da escola que, por causa das mudanças, não é possível abrir mais vagas, embora haja fila de espera na região. Com o impasse da falta de endereço, foi cogitada a hipótese de fechar a Emei.
Salvadori Filho conta ainda que as casas alugadas pela prefeitura não têm estrutura adequada para uma escola. Na casa da rua Augusta, as crianças tinham que subir lances de escada estreitos para acessar as salas de aula.

OUTRO LADO
A Diretoria Regional de Educação Ipiranga, da Secretaria Municipal de Educação informou que a mudança foi previamente comunicada aos pais e que ainda está em busca de um endereço definitivo para a unidade.
"Os dois dias e meio de aulas serão repostas para não prejudicar o aprendizado dos alunos", disse, em nota.
A secretaria não confirmou a possibilidade de mudança para a Peixoto Gomide e não comentou o excesso de mudanças da escola.



Fonte: Folha de S. Paulo
Caderno: Ilustrada
08/03/2011

Consagrado crítico de cinema que perdeu a voz em 2006 enaltece nova chance de se comunicar no mundo virtual

Empresa escocesa está desenvolvendo voz virtual baseada em gravações do americano na televisão e em DVDs
FERNANDA EZABELLA
ENVIADA ESPECIAL A LONG BEACH

Roger Ebert, 68, o crítico de cinema mais popular dos EUA, perdeu a voz há cinco anos, mas a reencontrou através do mundo virtual, no qual foi obrigado a ingressar.

"A internet era uma ferramenta muito útil para mim. Hoje é algo no qual eu confio toda a minha existência", escreveu numa carta lida por sua mulher, Chaz, num evento na semana passada. "A internet é meu salva-vidas."

Ebert participou do TED, uma série anual de palestras curtas em Long Beach, Califórnia, com especialistas de diversas áreas.

Apesar de não ter falado sobre cinema, ele começou sua apresentação de 18 minutos com um trecho do filme "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968), no qual o computador de bordo começa a ser desligado.

Depois mostrou sua voz computadorizada, chamada Alex, que vem instalada em computadores Macintosh. Sua mulher e dois amigos subiram ao palco para ler textos sobre as descobertas de sua nova vida sem voz.

Primeiro crítico de cinema a ganhar um Pulitzer, em 1975, Ebert tem suas resenhas publicadas em mais de 200 jornais e já escreveu 15 livros sobre cinema, incluindo suas coleções de críticas anuais.

Em 2002, ele foi diagnosticado com câncer de tireoide e, em 2006, ao fazer uma cirurgia para restaurar a mandíbula, perdeu a voz.

Seu blog (www.rogerebert.com) teve mais de 100 milhões de visitas em 2010 e sua página no Twitter tem mais de 370 mil seguidores.

Ebert contou ao público do TED que aguarda que uma empresa na Escócia desenvolva uma voz computadorizada baseada na sua própria, utilizando áudios de seus programas de televisão e comentários que fez sobre filmes para extras de DVD.

Ele mostrou trechos da voz: "As palavras que você está ouvindo foram faladas pela primeira vez quando eu comentava "Casablanca" e "Cidadão Kane'", disse a voz, um pouco fora de cadência.

"As pessoas falam alto e devagar comigo, às vezes assumem que sou surdo. Tem gente que não gosta de me olhar no olho", escreveu num trecho lido por Chaz, que teve de parar alguns momentos para não chorar.

"É da natureza humana desviar o olhar da doença. Não gostamos de lembrar da nossa própria fragilidade", continuou. "Nem todo mundo tem a paciência da minha mulher. Mas, on-line, todos falam na mesma velocidade", arrematou.

Ebert também ficou famoso pelos programas de TV de crítica de cinema, no qual cunhou as expressões "thumbs up/thumbs down" (polegares para cima ou para baixo).


Fonte: Folha de S. Paulo
Caderno: Ilustrada
08/03/2011
Alimentado por internautas, banco de composições inclui de Mozart a Nazareth
ÁLVARO FAGUNDES
DE NOVA YORK

Villa-Lobos? Ele está lá, assim como Mozart, Gershwin e Ernesto Nazareth. Integram um repertório que está hoje na internet e pode ser acessado, gratuitamente, por qualquer interessado.

Essa é a ideia do International Music Score Library Project (imslp.org), um site que reúne partituras de artistas de diferentes épocas e países e que é alimentado pelos próprios internautas.

Segundo estimativas do site, hoje há mais de 85 mil partituras -número que cresce aos milhares todos os meses, à medida que mais pessoas vão colaborando.

Essa colaboração pode ser feita tanto colocando no site obras que já estão disponíveis na internet quanto escaneando material que, de outra forma, seria muito mais difícil de encontrar.

O International Music Score Library Project usa a plataforma wiki (ou seja, é muito parecido visualmente com a Wikipedia) e adota a mesma cultura: cabe aos usuários o controle de qualidade, seja na indicação de alguma página que esteja faltando, seja na certificação de que ela respeita direitos autorais.

Apesar dessa política de colaboração, o site não escapou de polêmicas e chegou a encerrar suas operações.

Fundado há cinco anos por Edward Guo, então um estudante de conservatório de 19 anos, o International Music Score Library Project deixou de operar em 2007 (e só voltou no ano seguinte), depois que a Universal Edition, uma editora europeia de música, entrou na Justiça acusando-o de violar direitos autorais.

Para as editoras, o projeto é considerado uma ameaça, já que parte dos ganhos delas vem do aluguel e da venda de partituras.

Essa é uma das dificuldades do site: adaptar-se a diferentes legislações. No Canadá, por exemplo, onde seus servidores estão localizados, a proteção vale por 50 anos após a morte do autor. Nos EUA, geralmente ela vale por 70 anos.

Por isso, alguns compositores mortos mais recentemente estão ausentes do site ou têm apenas parte do seu trabalho publicada.


Fonte: O Estado de S. Paulo
Caderno: Caderno 2
Músicos e maestros trocam críticas na internet a respeito da crise na Sinfônica Brasileira, que repercute mundo afora
09 de março de 2011 | 0h 00
João Luiz Sampaio - O Estado de S.Paulo

A polêmica em torno das audições para reavaliação dos músicos da Orquestra Sinfônica Brasileira chegou à internet, onde um verdadeiro campo de batalhas se instituiu. Músicos e até maestros como John Neschling, ex-diretor da Osesp, e Alex Klein, ex-diretor do Teatro Municipal de São Paulo, têm trocado acusações. E desde o fim de semana, o crítico inglês Norman Lebrecht, autor de livros de referência como Quem Matou a Música Clássica e O Mito do Maestro, tem repercutido em seu blog a história, chamando atenção para o fato de que pela primeira vez mídias sociais como o Facebook se tornaram veículo para discussão de temas relacionados à vida de uma orquestra, movimentando músicos de todo o mundo.
A questão veio a público em fevereiro, quando os músicos da OSB, dirigida pelo maestro Roberto Minczuk, votaram em assembleia pela não participação nas provas de avaliação marcadas pela orquestra para depois do carnaval. A Fundação OSB e o maestro Minczuk ressaltam que as provas são apenas um de vários critérios a serem utilizados na reavaliação do grupo, tendo em vista a melhoria artística da orquestra - e que foram marcadas de acordo com a lei. Os músicos, no entanto, questionam a metodologia da prova e garantem que seu objetivo é político, uma maneira de tirar da orquestra profissionais que se opõem ao trabalho do maestro. Após a assembleia, a Fundação OSB propôs um plano de demissão voluntária para músicos. Por sua vez, os artistas dizem temer uma demissão em massa.
Desde o fim da semana passada, músicos têm escurecido em protesto suas fotos no Facebook, arregimentando artistas também de fora, como James Wilt, trompetista da Filarmônica de Los Angeles; Rob Weir, fagotista da Sinfônica de São Francisco; a trompetista inglesa Allison Balsom, que já se apresentou como solista ao lado da orquestra e de Minczuk; e o maestro português Osvaldo Ferreira. A violinista Isabelle Faust, que seria uma das artistas contratadas como consultora das audições, em carta ao blog de Norman Lebrecht, o Slipped Disc, disse que foi convidada a se apresentar com a OSB em maio. "Meu único propósito é tocar violino, não fui chamada para nenhum tipo de consultoria relativa a audições."
Para Lebrecht, as questões internas da OSB dizem respeito apenas à orquestra e a seus músicos; o que lhe parece interessante, no entanto, é o advento das mídias sociais como instrumento de divulgação no setor. "O fato de que músicos estão usando mídias sociais como meio de protesto garante atenção maior à questão e garante que a direção da orquestra não poderá simplesmente passar por cima das reivindicações dos artistas. Podemos estar diante de uma nova fase na história de negociações musicais", escreveu Lebrecht. Seu blog, desde o fim de semana, tem resumido a história e reproduzido depoimentos de diversos artistas. Ontem pela manhã, uma carta anônima defendia a fundação e a OSB. Seu autor diz preferir não se identificar: "O Rio é uma cidade perigosa e eu não quero morrer". A carta defende a avaliação, afirmando que os "músicos que reclamam são aqueles que têm medo de perder seus empregos". "Este não é um emprego vitalício, você precisa provar que o merece, como em qualquer outra função."
No Brasil, a questão acabou por explicitar outras discussões. O professor de oboé Luis Carlos Justi, por exemplo, externou, no Facebook, sua preocupação com a Sinfônica Brasileira Jovem. "Temos a nova notícia de que ela vai substituir a OSB em todo o primeiro semestre do ano sob a alegação de que eles terão solistas e regentes renomados. Como ficam os alunos que ainda estão em período de estudos e agora se veem constrangidos a assumir um papel profissional prematuro com uma remuneração de bolsa de estudos? Quanto tempo eles terão para o estudo de seus instrumentos, e da música de um modo geral, quando assumirem a obrigação de concertos? E como fica o aspecto simplesmente trabalhista dessa relação? Que espécie de ética a direção da OSB está ensinando a esses jovens?", escreveu ele.
Batutas. A polêmica também explicitou diferenças entre maestros. Em uma carta aberta publicada em sua página do Facebook, o maestro Alex Klein, que teve passagem relâmpago pela direção do Teatro Municipal de São Paulo no fim do ano passado, pede ao maestro Minczuk que repense a estratégia de avaliação da OSB, "metodologia usada antes na Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), deixando cicatrizes no mercado musical que até hoje afetam músicos brasileiros". Tentando defender os músicos, assim como a necessidade de reavaliação, Klein diz ainda que "os dias do Poderoso Chefão em fábricas e indústrias acabou". "Hoje, empresas modernas valorizam o feedback dos funcionários, com chefes e empregados em constante comunicação." "Não podemos ceder a valores autocráticos porque eles nos parecem convenientes."
A OSB não respondeu a Klein, mas o maestro John Neschling, responsável pela reformulação da Osesp, não se conteve. Em seu blog, o Semibreves, que desde o início da polêmica tem divulgado a posição dos músicos da OSB, ele criticou a deselegância de Klein contra ele e Minczuk em sua carta e questionou a comparação das audições de agora com as realizadas por ele na Osesp, no fim dos anos 90. Lembrando ainda que Klein viveu boa parte das últimas décadas fora do Brasil, como oboísta da Sinfônica de Chicago, Neschling diz que "é curioso que ele queira agora ser o paladino da classe musical, espinafrando colegas, pretendendo dar aulas a Roberto Minczuk e, pretensiosamente, ditando regras que ele nunca conseguiu pôr em prática". "Seu primeiro conflito no único cargo importante que tentou ocupar como diretor de um grande teatro resultou na sua demissão depois de três meses no posto. (...) Como disse Sêneca, nossa vida é curta e nossa arte é longa. A essa altura, Alex deveria, no mínimo, ter uma biografia como a do maestro Minczuk ou a minha para escrever cartas pretensiosas como a que escreveu."
BATUTAS EM RISTE

"O fato de que músicos estão usando mídias sociais para protestar garante que a direção da orquestra não poderá simplesmente passar por cima das reivindicações dos artistas"

Norman Lebrecht
CRÍTICO INGLÊS, NO BLOG SLIPPED DISC
"Eu lhe peço, meu querido amigo, para cancelar as audições. Você pode trazer ao Brasil o nível das orquestras internacionais. Mas por favor o faça com respeito e dignidade"
"Comparar as audições da OSB com as da Osesp é fora de propósito. Klein deveria ter uma biografia como a de Minczuk ou a minha para escrever cartas pretensiosas como a que escreveu"
John Neschling
MAESTRO, NO BLOG SEMIBREVESAlex Klein
MAESTRO, EM TEXTO NO FACEBOOK



Fonte: Folha de S. Paulo
Caderno: Ilustrada / pg. E1
11/03/2011
Alternativa à pirataria , plataformas internacionais de filmes on-line vão oferecer serviços no Brasil

ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO

Foi preciso que a internet atingisse a maioridade para que o Brasil começasse a ser levado a sério. Nesses 18 anos, a indústria fonográfica perdeu toda uma geração para o download ilegal e a pirataria espraiou-se. Mas a indústria cinematográfica começa, enfim, a mover-se.
A pergunta que resta é: encontrará um público disposto a pagar para baixar filmes?
"O Brasil está pronto para pagar pelo serviço de video-on-demand", aposta o argentino Eduardo Costantini, um dos fundadores do site de filmes Mubi, que acaba de fechar nova rodada de negócios, no valor de U$S 2,4 milhões (R$ 3,9 milhões).
Parte desses recursos terá o Brasil como destino. O Mubi, que possui 1.500 títulos negociados com produtores e distribuidores, está criando uma nova plataforma, no Vale do Silício (EUA), e pretende oferecer download de filmes por, no máximo, R$ 5.
"Dizer que 2011 será o ano da virada é exagero. Mas será o ano da entrada do Brasil no negócio dos filmes on-line", diz Fábio Lima, criador do site MovieMobz, que usa a internet para "mobilizar" sessões reais de cinema.
Conforme a Folha adiantou, a americana Netflix também planeja aterrissar no Brasil com serviços de assinatura para filmes e séries.
Nos EUA, a Netflix é apontada como causa da falência da Blockbuster e é vista como ameaça à rede HBO.
Questionado pelo "New York Times" se a Netflix atrapalhava os negócios da Time Warner, Jeff Bewkes, presidente do grupo -ao qual a HBO pertence-, recorreu à ironia. "Você imagina o exército da Albânia assumindo o controle do mundo?"
De acordo com a revista especializada "Screen", porém, a empresa de serviços digitais teve, em 2010, um crescimento maior em Wall Street que a Time Warner.
Uma pesquisa feita pelo JP Morgan diagnosticou, ainda, que 47% dos usuários ativos do Netflix consideram a possibilidade de cancelar seu serviço de TV por assinatura.
Em janeiro, o similar europeu da Netflix, a LoveFilme, foi comprada pela Amazon.

PRATICIDADE
"Está provado que as pessoas não pagam pelo que baixam na web [www], mas que podem pagar por serviços e conveniência", diz Lima.
É esse o eixo de um longo artigo escrito por Chris Anderson, editor-chefe da revista "Wired", que declara a morte da web como negócio.
O futuro, de acordo com ele, está na internet. Traduzindo: perdem força as páginas www e ganham força as plataformas fechadas e os "dispositivos", como os iPads. "Por mais que admiremos os serviços abertos, no fim do dia buscamos é praticidade", analisa Anderson.
Se for preciso pagar pelo conforto de ter um filme à mão com um simples clique, diante de um cardápio vasto e bem organizado, muitos pagarão, defende Anderson.
A aposta dos investidores que colocam o Brasil no radar é que, conforme as conexões em altíssima velocidade, as TVs com internet e os smartphones forem se espalhando pelo mundo, se espalhem também esse serviços.



Fonte: Folha de S. Paulo
Caderno: Ilustrada / pg. E1
11/03/2011

Além de distribuir filmes, mundo digital angaria recursos junto a fãs

Kevin Smith pede dinheiro a seguidores no Twitter; Luc Besson deixa internautas escolherem seu elenco

DE SÃO PAULO

Além de ter se tornado uma plataforma imprescindível para a distribuição de filmes, a internet começa a virar, também, uma fonte importante para a captação de recursos de produção.
Com os velhos modelos de financiamento em crise, uma nova geração de cineastas tem recorrido à internet para dar a largada a seus projetos.
Kevin Smith, de "O Balconista 2" (2006), está pedindo que seus 1,7 milhão de seguidores do Twitter ajudem-no a conseguir dinheiro para o terror "Red State".
De acordo com a revista "Variety", Smith já conseguiu meio milhão de dólares.
"Iron Sky", sobre uma base secreta nazista na Lua, levantou U$ 1,2 milhão (R$ 1,99 milhão), um décimo de seu orçamento, com fãs internautas. Os produtores do filme descobriram esse exército virtual ao lançar, só na internet, a ficção científica "Star Wreck", visto por 8 milhões de espectadores.
A base de fãs, além de contribuir com dinheiro, serve de barganha na negociação com investidores tradicionais do cinema.
Atrás desse "atestado de interesse", a EuropeCorp pediu para que os internautas votem no roteiro e no elenco do próximo projeto de Luc Besson, diretor de "O Quinto Elemento" (1997).

TÁBUA DE SALVAÇÃO
"Em 2007, quando criamos o [site] Mubi, os produtores resistiam em negociar os direitos dos filmes para a internet", diz o empresário argentino Eduardo Costantini.
"Hoje, todos estão abertos, inclusive os grandes estúdios", afirma Costantini.
Aos poucos, as empresas de tecnologia começam a desempenhar o papel que, antes, cabia às TVs e aos serviços de pay-per-view.
(ANA PAULA SOUSA)



Fonte: Folha de S. Paulo
PLANET@ LETRA
Volume reúne os resultados de 30 anos de pesquisas de arqueóloga na região baiana, com informações científicas e culturais
DE SÃO PAULO

À doutora em arqueologia e geografia Maria Beltrão não falta experiência sobre o alto sertão baiano. Há 30 anos ela coordena o chamado Projeto Central (www.projetocentral.com), dedicado a explorar e estudar uma região de 100 mil km2, incluindo o oeste da Bahia.
A região, além de achados arqueológicos notáveis, concentra uma cultura característica que não passou ao largo das pesquisas de Maria Beltrão. Assim, o livro "O Alto Sertão - Anotações" cobre diferentes aspectos dessa região baiana com características tão peculiares.
Apesar das muitas informações que traz, o volume não se destina aos pesquisadores apenas -a autora, no prefácio, afirma que escreveu o livro sem intenção de fazer ciência.
É lógico que informações precisas acerca da geologia e do passado arqueológico do alto sertão estão bem presentes, mas o volume vai além, representando de maneira rica os aspectos culturais do sertanejo e sua região.
Quem viaja para o alto sertão baiano ou apenas gostaria de saber mais sobre a região encontra uma leitura diversificada, onde terreno, chuva, seca, cordel, arte, história (e pré-história) se combinam em um perfil elaborado e cativante da região.
Ao lado das descobertas na Toca da Esperança, tida como o sítio arqueológico mais antigo das Américas, com pistas sobre o cotidiano de 300 mil anos atrás, há o dia a dia do sertanejo atual e como essa realidade veio se desenvolvendo em um passado mais recente. Ao lado de fotos atuais e de pinturas rupestres, as xilogravuras dos cordéis. Nesse mosaico bem dosado, ganha o leitor.

O Alto Sertão - Anotações
Maria Beltrão
EDITORA Casa da Palavra
QUANTO R$ 90 (200 págs.)



Fonte: Valor Econômico
Caderno: Eu e Fim de Semana / pg. 30
10/03/2011
Por Marcelo Lyra | De São Paulo
10/09/2010

"A Memória Vegetal"
Umberto Eco Trad.: Joana D'Ávila Record, 272 págs., R$ 39,90 / BBB

Autor dos já clássicos "O Nome da Rosa" e "O Pêndulo de Foucault", Umberto Eco faz aqui um apanhado sobre sua paixão por livros, reunindo tanto conferências que ministrou quanto textos exclusivos. O assunto é abordado por vários ângulos: o simples prazer de ler, histórias sobre livros e a compulsão por colecionar, tudo com a habitual criatividade.

Esse título curioso, "Memória Vegetal", é explicado pelo autor logo no primeiro capítulo e vem da necessidade do ser humano de preservar a memória. Inicialmente, o aparecimento da fala gerou a valorização dos velhos, encarregados de transmitir a cultura das tribos para as novas gerações, no que seria a "memória animal". A partir do surgimento da escrita, o homem passa a recorrer aos textos em pedra, às tábuas, aos pergaminhos e finalmente aos livros, que, por ser feitos de celulose, podem ser chamados de memória vegetal. Para Eco, os livros são os nossos velhos.

A paixão por colecionar livros é um dos assuntos mais interessantes. Ele conta que em apenas uma de suas casas dispõe de uma biblioteca com 30 mil volumes e uma das perguntas mais comuns feita por visitantes pouco afeitos à leitura é: "Você já leu todos?" Qualquer um que tenha mais de 200 livros na estante ouviu essa pergunta mais de uma vez e Eco sugere pelo menos três respostas possíveis.

O gosto pela companhia dos livros permeia todos os capítulos e sugere prazeres comuns a todos os bibliófilos, como percorrer sebos em busca de raridades, quase sempre pechinchas. O sonho secreto é encontrar uma velhinha de 90 anos desfazendo-se de suas velharias e, ao vasculhá-las, topar com um exemplar da raríssima primeira "Bíblia" de Gutenberg.

Eco lamenta que um bom colecionador de livros esteja condenado à frustração, pois normalmente não tem a quem mostrar seus tesouros. Enquanto o colecionador de quadros ou porcelanas chinesas sempre impressiona suas visitas com peças raras, pessoas comuns dificilmente se interessam por livros velhos e amarelados, muitas vezes parcialmente roídos por traças.

Embora a maior parte do livro seja composta de conferências e ensaios, uma pequena parte ao final é de ficção. A mais memorável é sem dúvida o conto "Monólogo Interior de um e-Book", divertida narração em primeira pessoa desse livro digital, capaz de conter milhares de obras em sua memória. Como um bibliófilo fanático, é natural que Eco despreze esse objeto de desejo dos modernos leitores consumistas, mas, ao contrário de um previsível e panfletário ensaio de descarte, o autor saiu-se com esse genial libelo no qual o e-book é um ser sem personalidade. Por ser milhares de livros, não é nenhum e, ao tentar lembrar seu conteúdo, mistura histórias como "Moby Dick", "A Ilha do Tesouro" e outros. Inveja, portanto, o tradicional "A Divina Comédia" em papel, pois bastaria ao leitor olhar sua capa para recordar a história.

Como quase sempre ocorre com toda reunião de artigos e palestras de diferentes épocas, também este "Memória Vegetal" é irregular, oscilando entre textos muito criativos e outros nem tanto, especialmente quando discorre longamente sobre livros ou autores nunca publicados no Brasil. Mesmo o artigo que entra na discussão sobre a autoria das obras de Shakespeare se perde numa infindável relação de autores quase inacessíveis. Mas um bom texto de Eco não é coisa a desprezar e histórias de amor pelos livros certamente encontrarão identificação com milhares de leitores.



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