Notícias do Dia - 20 maio 2011
Sumário
Um século de livros
Baudelaire, Rodin e Paul Gallimard
Quartier Latin perde suas livrarias, e um tanto da alma
A ascensão é cultural
Consciência de si e contato com o outro
Espetáculo de poesia
Livro digital supera o de papel em vendas, diz Amazon
Flip anuncia Nicolelis e David Byrne
Começam na segunda as obras do espaço que vai guardar acervo de 1,5 mil peças
Na Amazon, eBook vende mais que livro de papel
Fonte: Valor Econômico
Um século de livros
Daniela Fernandes | Para o Valor, de Paris
20/05/2011
A literatura, essa grande e antiga paixão nacional francesa, possui dois templos. O primeiro é a Academia Francesa de Letras, às margens do Sena, fundada em 1635. O segundo fica em uma das menores ruas de Paris. Mas o discreto número 5 da Sébastien-Bottin, nos arredores do Museu d'Orsay, é um endereço mítico, por onde já passaram os nomes mais gloriosos da literatura mundial do século XX e também da contemporânea. Ali está a sede da Gallimard, a editora que neste ano celebra seu centenário.
A Gallimard construiu uma reputação que ultrapassou as fronteiras nacionais. Franceses ou estrangeiros, escritores sonham ser publicados pela editora, cujo catálogo de mais de 40 mil títulos reúne celebridades como Albert Camus, Jean-Paul Sartre, Marcel Proust, Marguerite Yourcenar, Le Clézio, Ernest Hemingway, Franz Kafka, Jorge Luis Borges e Mario Vargas Llosa, para citar alguns nomes da vasta lista de personalidades da literatura mundial que são prata da casa.
Aproximadamente 25 mil títulos já foram digitalizados e é frequente a oferta de lançamentos em formato eletrônico. Desse modo, a Gallimard procura estar presente num segmento de mercado com tendência de crescimento em todo o mundo.
A lista de grandes nomes publicados pela editora é tão expressiva quanto a reputação de seus escritores: 35 prêmios Goncourt (a mais alta distinção da literatura francesa, que seria o equivalente, no cinema, à Palma de Ouro do Festival de Cannes) e 36 prêmios Nobel.
Apesar do domínio no campo das premiações, a Gallimard não é a líder de mercado na França. Seu faturamento, de € 242 milhões, está bem abaixo dos quase € 2,3 bilhões do grupo Hachette, número um francês. Mas a Gallimard tem orgulho em frisar que é a maior editora "independente" do país, uma empresa familiar, comandada hoje por Antoine Gallimard, neto do fundador.
São mais de 40 mil títulos, 70 coleções e milhões de exemplares, uma galeria em que figuram 35 prêmios Goncourt e 36 Nobel
Tudo começou no antigo prédio de uma tinturaria, a primeira sede da editora. Em 31 de maio de 1911, Les Éditions de la Nouvelle Revue Française, antigo nome da Gallimard, surge como braço editorial da revista literária de mesmo nome, a "Nouvelle Revue Française" (NRF), criada em 1909 pelo escritor André Gide e um grupo de cinco autores. Gaston Gallimard, frequentador dos meios artísticos, é convidado por seu amigo Gide (Nobel de literatura em 1947) a administrar o negócio e se tornar um dos sócios.
O primeiro livro publicado, em maio de 1911, foi "L'Otage" (O Refém), de Paul Claudel, que marca o lançamento da famosa coleção "Blanche", com suas capas cor marfim e decoradas até hoje de forma minimalista, com um traço preto e duas linhas vermelhas em volta das margens. Essa coleção é considerada a mais emblemática da editora (ao todo, são 70), por seu prestigioso catálogo de escritores franceses, que já venderam mais de 70 milhões de exemplares.
Atualmente, a Gallimard recebe, por ano, cerca de 6 mil manuscritos de autores que têm esperança de ver seus nomes nas capas da concorrida coleção.
É certo que nem todos podem ter talento literário. Mas o processo seletivo certamente não ficou livre de equívocos na longa história da Gallimard. Um deles, colossal. Por inacreditável que possa parecer, a editora recusou dois dos maiores nomes da literatura francesa do século XX: Marcel Proust e Louis-Ferdinand Céline. "No Caminho de Swann", primeiro volume do clássico "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust, acabou sendo publicado, em 1913, pela concorrente Grasset.
O equívoco de considerar as primeiras 700 páginas do texto de Proust "uma obra de lazer de um escritor mundano" foi corrigido pouco depois, graças ao empenho de Gaston Gallimard, que trouxe o escritor para a editora. Em 1919, "À Sombra das Moças em Flor", segundo volume da série de Proust, ganhou o prêmio Goncourt. Foi o primeiro grande sucesso da Librairie Gallimard, como passou a ser chamada a empresa, depois que a "NRF" foi dissociada da editora, em 1919, e Gaston Gallimard assumiu o controle da nova companhia (que só se tornou Editora Gallimard em 1961).
O fundador decidiu, logo nos primeiros anos, diversificar o catálogo para assegurar a rentabilidade da empresa, o que incluiu revistas populares, temporariamente, com o objetivo simultâneo de constituir um fundo editorial com os autores mais promissores. Uma livraria foi aberta em Paris e o célebre comitê de leitura, que existe até hoje, já integrado por nomes como André Malraux, Albert Camus e Le Clézio (Nobel de Literatura em 2008), foi instituído no início dos anos 1920, para escolher os livros publicáveis.
O número de coleções da Gallimard foi bastante ampliado nas últimas décadas. Hoje, são cerca de 70, entre as quais a "Folio", de livros de bolso, e a "Du Monde Entier", de escritores estrangeiros, que já publicou os brasileiros Jorge Amado, Clarice Lispector e Carlos Drummond de Andrade.
Uma das coleções mais renomadas é "La Bibliothèque de la Pléiade ", considerada o Olimpo das obras da literatura mundial, escolhidas a conta-gotas (somente 568 títulos foram publicados desde 1933).
Se a Gallimard passou seus 12 primeiros anos com altos e baixos em termos de desempenho financeiro, pôde, enfim, dedicar-se a uma forte expansão a partir dos anos 1950. Chegou, então, a adquirir 13 outras editoras, das quais 4 (L'Arpenteur, Le Promeneur, L'Arbalète e Bleu de Chine), de menor porte, passaram a integrar seu catálogo de coleções. Hoje, é um grupo formado por 11 editoras e 11 livrarias (cinco em Paris, cinco em Estrasburgo e uma no Canadá). Em 1920, a Gallimard tinha apenas 25 empregados. Hoje, são mais de mil. O grupo possui ainda duas distribuidoras, a Sodis e a CDE, criadas no início dos anos 1970, após o encerramento do acordo de distribuição com o grupo Hachette, firmado na década de 1930. Essa decisão, tomada com o objetivo de manter a autonomia de gestão, e o lançamento da coleção de livros de bolso são considerados na empresa como momentos decisivos para a subsequente projeção da Gallimard entre as principais editoras francesas.
Como em outras empresas familiares, não faltaram crises de convivência na Gallimard. A editora poderia ter perdido sua independência no final dos anos 1980 em razão de desentendimentos entre os quatro filhos de Claude Gallimard, filho de Gaston, que comandou o grupo até essa época e morreu em 1991. Foi Antoine, designado pelo pai, Claude, quem assumiu a presidência em 1988, posição que mantém até hoje. Uma holding familiar criada em 1992, a Madrigall (anagrama de Gallimard), possui 98% do capital do grupo, dos quais Antoine e suas filhas detêm 60%.
Costuma-se dizer, nos meios editoriais, que o sucesso da Gallimard se deve, sobretudo, ao fato de que a editora foi criada sem apego a linhas ideológicas, e sempre esteve aberta aos diferentes estilos e movimentos literários, como o surrealismo e o existencialismo, sem levantar a bandeira de nenhum tipo de causa.
"Sem nenhuma ligação política ou religiosa, Gaston Gallimard só tinha uma ambição: reunir sob sua grife os maiores escritores", afirma o historiador Michel Winock.
"Todos os movimentos foram representados na Gallimard. Ela foi fundada por escritores, sem objetivos comerciais, e voltada exclusivamente para a literatura. É algo raro", disse ao Valor o escritor Roger Grenier, 92 anos, que entrou na editora nos anos 1960, para participar da direção literária.
Grenier, que até hoje integra o comitê de leitura da editora, trabalhou durante cerca de uma década com o fundador, Gaston Gallimard, cujo escritório, naquela época, ficava em frente ao seu. "A empresa se expandiu muito desde aquela época. Mas sua alma continua a mesma", afirma.
"Publicamos livros que sabemos que não serão vendidos, mas achamos que possuem um interesse literário", conta Grenier. Ele dá o exemplo de um autor que nunca vendeu mais de 2 mil exemplares, mas continua sendo publicado há 60 anos. É Marcel Jouhandeau. Sai em novembro um novo livro dele, de cartas ao escritor Jean Paulhan, que dirigiu a NRF.
A história da Gallimard se mistura à própria história da literatura mundial do século XX, numa caminhada, não livre de obstáculos, em que foram superados também os anos sombrios da Segunda Guerra. Para não fechar as portas, a editora fez um acordo com os alemães: Gaston continuaria a administrar a empresa, mas teve de aceitar que um colaboracionista dirigisse a revista NRF e também se envolvesse na editora. Mesmo assim, a Gallimard conseguiu criar uma resistência intelectual paralela e não perdeu o apoio de grandes escritores.
Apesar desse episódio, nada tira o brilho das comemorações do centenário da Gallimard, chamada por alguns na imprensa francesa de "editora do século". A prefeitura de Paris também fará uma homenagem: a rua Sébastien Bottin, onde fica a sede da empresa, nome de um estatatístico francês, passará a se chamar, a partir de 15 de junho, Claude Gallimard.
Fonte: Valor Econômico
Baudelaire, Rodin e Paul Gallimard
20/05/2011
A Biblioteca Nacional da França celebra o centenário da editora Gallimard com uma exposição que apresenta raridades ligadas à história da literatura, muitas delas jamais expostas. É o caso de uma edição original do livro "As Flores do Mal", de Charles Baudelaire, ilustrada pelo escultor Rodin a pedido de Paul Gallimard, pai do fundador da editora, Gaston Gallimard. Também estão expostos os desenhos originais de "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry, emprestados por um colecionador particular.
A mostra "Gallimard, um século de edição" apresenta as "fichas de leitura" da editora, também jamais apresentadas ao público e que mostram o processo de seleção das obras. Nessas fichas, os membros do comitê de leitura (que existe até hoje e é formado por intelectuais e escritores célebres) julgam se os textos enviados à editora devem ser publicados, com comentários e notas que vão de 1 a 3 (3 significa que a recusa é certa). Para comprovar que leu o manuscrito, o membro do comitê precisa resumir a história.
Em exposição na Biblioteca Nacional, raridades celebram detalhes de uma história editorial construída com esmero artesanal
A exposição, que fica em cartaz até 3 de julho na parte nova da Biblioteca Nacional, também conhecida como François Mitterrand, reúne numerosos outros documentos, entre manuscritos de grandes obras, com anotações de última hora feitas pelos autores, maquetes originais e também cartas trocadas entre escritores e a Gallimard. Entre elas, aquela em que Gaston tenta, em 1921, convencer Sigmund Freud a aceitar que suas obras sejam publicadas pela editora. "Nossa empresa não é puramente comercial. Antes de mais nada, são nossos gostos que prevalecem", escreveu Gallimard ao fundador da psicanálise, que já estava comprometido com outra editora francesa, mas acabou aceitando posteriormente o convite.
Arquivos Gallimard
A primeira sede da editora, no prédio de uma tinturaria: ali, em maio de 1911, iniciou suas atividades Les Editions de la Nouvelle Revue Française, antigo nome da Gallimard
Em outra carta, Louis-Ferdinand Céline, um dos maiores nomes da literatura francesa do século XX, apresenta o manuscrito de seu primeiro romance, "Viagem ao Fim da Noite", e pede que Gaston responda "o mais rápido possível se deseja publicá-lo". A obra, hoje classificada como a sexta entre os "100 livros do século" em pesquisa realizada pelo jornal "Le Monde" e pela rede de lojas Fnac, em 1999, foi recusada em 1932 pela Gallimard, que depois conseguiu, no entanto, integrar o escritor a seu catálogo.
A exposição também apresenta vários documentos audiovisuais, com entrevistas de grandes escritores, como Céline e Jorge Luis Borges, que analisam suas técnicas de escrita ou falam de livros que influenciaram suas obras.
Os documentos expostos integram os acervos da editora e as coleções da Biblioteca Nacional da França e de instituições francesas e internacionais. (DF)
Fonte: Valor Econômico
Quartier Latin perde suas livrarias, e um tanto da alma
20/05/2011
Mundialmente famoso, o bairro parisiense Quartier Latin, onde fica a Universidade Sorbonne, está perdendo a essência de sua alma: as livrarias. Desde 2000, uma centena desapareceu nessa região bastante frequentada por estudantes e professores, por causa da grande concentração de faculdades e escolas, várias delas renomadas.
O número de livrarias no Quartier Latin passou de 225 para 124 na última década. Boa parte foi substituída por lojas de roupas. O fenômeno afeta até mesmo grandes nomes do setor, como PUF (Presses Universitaires de France) e Divan, do grupo Gallimard, que se mudou para outro bairro, onde os aluguéis são mais baratos do que no Quartier Latin.
Para estancar esse esvaziamento e evitar a descaracterização do bairro, a prefeitura de Paris decidiu incentivar a abertura de livrarias. O método utilizado é simples: apoio financeiro aos comerciantes, com aluguéis abaixo dos níveis de mercado. Por meio de uma sociedade de economia mista, a Semaest, a prefeitura compra os locais, realiza as obras necessárias e os aluga."Constatamos que as livrarias, que registram pouca margem de lucro, têm problemas para enfrentar os aumentos dos aluguéis nesses últimos anos", afirma Lyne Cohen-Solal, secretária municipal de Comércio.
O projeto, chamado Vital'Quartier, garante aos livreiros três meses de aluguel grátis para cobrir despesas iniciais com a abertura do negócio e também oferece aconselhamento em relação a empréstimos bancários e contratação de funcionários. Desde 2008, 11 livrarias foram inauguradas no Quartier Latin e duas novas editoras, com lojas, serão abertas nas próximas semanas.
"Sem esse esquema da prefeitura, não teria me lançado no negócio", diz Olivier Pochard, que inaugurou em dezembro do ano passado, no antigo local de uma agência de viagens, uma livraria especializada em temas ligados à natureza, nas proximidades do Jardin du Luxembourg. Sua loja reúne cerca de 8 mil obras sobre jardinagem, botânica, ecologia e horticultura.
A iniciativa municipal permitiu a outro livreiro já instalado na região ampliar suas atividades. "O preço dos aluguéis nos impedia de criar uma seção infantil", diz Jean-Paul Collet, diretor da La Petite Boucherie , de livros para crianças, inaugurada há seis meses ao lado de sua loja de literatura juvenil. Com a ajuda da prefeitura, ele conseguiu alugar 62 metros quadrados renovados sem precisar pagar entre €40 mil e €50 mil (mais de R$ 90 mil) de luvas.
Considerado o berço das letras na França, o Quartier Latin, cujo nome se deve ao uso exclusivo do latim nos cursos universitários na época medieval, foi também o centro dos protestos estudantis de maio de 1968. Preservar esse aspecto cultural do bairro "é uma expressão de vontade política", diz a secretária municipal. (DF)
Fonte: Valor Econômico
A ascensão é cultural
Diego Viana | De São Paulo
20/05/2011
O Sesc Belenzinho, em São Paulo , integra uma rede que oferece atividades como teatro, cinema, exposições de arte e apresentações de música a preços acessíveis
Enquanto o mercado de bens de consumo celebra a expansão dos negócios voltados para a classe C, os produtores culturais buscam maneiras de captar o contingente de pessoas que são incorporadas à camada média da sociedade no Brasil. A classe C, cuja renda se situa entre quatro e dez salários mínimos mensais, tornou-se o maior segmento econômico do país, com mais de 95 milhões de pessoas, quase 50% da população (eram 37% em 2002), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Anuncia-se que a pirâmide social brasileira se tornou um losango, o que tem impacto no planejamento da indústria cultural. A pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil", organizada pelo Instituto Pró-Livro, revela que o brasileiro lê 4,7 livros por ano. É um volume baixo, mas o crescimento é expressivo. Até 2002, o número rondava sempre abaixo dos dois livros anuais.
Sergio Milano Benclowicz, diretor da rede de livrarias Nobel, celebra essa expansão do mercado. Segundo ele, o crescimento médio das livrarias de bairros e cidades com forte presença das classes C e D é de 20% ao ano, enquanto a rede como um todo se expande a 12%. "No shopping Nova América [em Madureira, Rio], as vendas são impressionantes. Há dez anos, quando abrimos uma loja no Tatuapé [São Paulo], parecia o subúrbio do subúrbio. Hoje é um bairro elegante."
O público da "nova classe média" brasileira tem características particulares, segundo analistas do mercado e de institutos de pesquisa. A renda que sobra para aplicar em atividades culturais não é muita. A presença em seus bairros de equipamentos como cinemas, teatros e livrarias é deficiente. Frequentemente, vêm de famílias que jamais tiveram acesso a cinemas e teatros e não puderam desenvolver esses hábitos culturais. Sobretudo, o mercado cultural, tradicionalmente concentrado nas classes A e B, tem dificuldade de se adaptar a uma realidade em rápida mudança.
"Os criadores de comportamento, arte, vestuário, passaram a vir de lugares que ontem eram guetos, não mais da elite"
Ao abrir sua empresa Limo Inc. em 2008, as publicitárias Laura Chiavone e Ana Kuroki escolheram concentrar esforços na classe C, camada, segundo elas, pouco contemplada pelo planejamento estratégico das empresas. Pesquisando o público-alvo, constataram um fato curioso. Questionados sobre o que mais os surpreendia na vida, 46% dos entrevistados responderam que era "saber mais do que jamais teria esperado", à frente de "poder comprar mais" (36%), "sonhar mais" (35%) e "estudar mais" (34%). O resultado indica o peso que o conhecimento e a cultura têm nas preocupações da nova classe média, concluíram, e coloca em evidência uma avidez tão grande pelo acesso a atividades culturais quanto a bens de consumo.
"As demandas culturais - aliás, exigências-, estão se expandindo no Brasil. Aonde quer que eu vá, posso ver como o movimento é enorme. Olhando só para os lugares de sempre, seria possível pensar que não está acontecendo nada, mas está", diz Altamir Martins, consultor de cultura do Instituto Pólis e ex-secretário de Cultura de Santo André, na região metropolitana de São Paulo.
A resposta que colocou o "saber mais" acima do "comprar mais" pode ser entendida como percepção de que a ascensão social está tão ou mais garantida pela possibilidade de conhecer do que pela possibilidade de consumir. Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Serviço Social do Comércio (Sesc) em São Paulo , afirma que "a ascensão econômica integra a busca por ascensão cultural. Há uma mistura dessas duas decisões de interesse. A ascensão puramente econômica é vazia, não se sustenta no longo prazo". O Sesc, que possui uma rede de teatros, salas de espetáculo, bibliotecas e outros aparelhos culturais a preços acessíveis, é uma instituição particularmente bem situada para captar as demandas de novos consumidores de cultura. Entre seus usuários matriculados, apenas 6,67% têm renda superior a seis salários mínimos. (Leia a entrevista na pág. 24).
"A novidade é a busca da informação, que dá status a quem antes não tinha acesso", argumenta Miranda. "Por exemplo, o conhecimento de línguas, encarado como o insumo fundamental para a ascensão, o emprego melhor, a vida melhor. O poder de compra, sem cultura, não sustenta a condição familiar. Diante de qualquer problema, ele volta atrás. Por isso, hoje, um jovem que ascende à classe média é incentivado pelos próprios pais a se cultivar."
A jornalista Perla Assunção vê a obtenção de repertório cultural e espírito crítico como garantia de que a ascensão cultural da classe C não ande para trás
A expansão do ensino superior foi o primeiro indício de que a consolidação dos ganhos sociais é uma prioridade para as camadas ascendentes. O Brasil tinha 1,6 milhão de universitários em 1994 e 6 milhões em 2010. Três em cada quatro desses estudantes estavam matriculados em universidades privadas, mais acessíveis para jovens das classes C e D, que não puderam pagar os caros colégios de elite do país. A expansão universitária é parcialmente responsável pela expansão da leitura. Os diplomados leem 8,3 livros por ano, enquanto para pessoas que completaram o ensino médio a média é de 4,5 livros.
Mas, como sublinha Miranda, "cultura e educação são facetas de uma mesma realidade. Se a preocupação for só com a educação formal, para o emprego, o que se cria é um país problemático para o futuro. É preciso discutir a educação do ponto de vista mais amplo possível. É educação humanista, aberta, que dá visão de mundo, perspectivas para a realidade, consciência de si, consciência do entorno, consciência do outro".
A forma como se apresentam esses fenômenos aponta um caminho para responder se a prosperidade do brasileiro é passageira ou para ficar. Perla Assunção, de 26 anos, é parte da primeira geração em sua família que pode se dar ao luxo de consumir livros, espetáculos teatrais e entradas de museu. Filha de pedreiro, formou-se em jornalismo, mas trocou o trabalho em redações por uma ONG, para transmitir a jovens de bairros suburbanos a noção de que o enriquecimento cultural é tão importante quanto a afluência financeira. "Para quem fica só no plano do consumo, a ascensão social é momentânea. Se perder o dinheiro, perde tudo. É preciso ter um repertório melhor para entender a si próprio no meio de tudo que está acontecendo."
O fenômeno cultural pode ser identificado de maneiras diversas. A mais evidente é investigar a participação da classe C em eventos culturais. A distribuição geográfica dos lugares que sediam esses eventos - teatros, cinemas, museus, livrarias, bibliotecas etc. - revela uma concentração significativa no centro das maiores cidades e regiões de poder aquisitivo elevado. Para o morador de bairros periféricos ou de cidades menores, o acesso é difícil e o custo, alto.
"Apesar de levar uma vida melhor, o brasileiro da classe C ainda não tem recursos para sair no fim de semana, jantar e ir ao cinema. Com estacionamento, ingressos, pipoca etc., pode-se gastar até R$ 200", diz Renato Meirelles, da consultoria Data Popular. Para alocar uma parte da renda em cultura, "vão abrir mão de quê?"
Segundo Ana Lucia de Oliveira Silva, vendedora da livraria Nobel na Penha, zona Leste de São Paulo, os pais buscam oferecer aos filhos a cultura que eles mesmos não puderam adquirir
O alto custo de programas em regiões centrais, aliado à escassa oferta nos bairros, justifica o primeiro resultado de pesquisa realizada pela Data Popular sobre os hábitos culturais da classe C. Foi identificado um "descompasso entre a oferta tradicional de bens culturais e a nova demanda", que se manifesta na comparação de perfis se consumo. A classe C, 49,7% da população, já compra mais eletrodomésticos (44,57%, para 37,27% das classes A e B) e alimentos (46,12% e 32,46%, respectivamente), mas fica atrás em recreação e cultura (41,95% e 49,75%). A diferença também é visível na frequência a equipamentos culturais pagos. Isolando as atividades com cobrança de ingresso, ainda que os números absolutos já favoreçam a nova classe média, vê-se que as classes A e B ainda frequentam mais cinemas do que a classe C (73% e 63%, respectivamente), mais exposições (43% e 22%) e mais peças de teatro (51% e 32%).
Para Meirelles, o dado mais revelador aparece no exame de atividades culturais gratuitas. A diferença se reverte e a classe C é mais presente em cinema (37%, que se comparam a 29% das classes A e B), teatro (32% e 26%) e exposições de arte (28% e 25%). Além do problema da política de preços, Meirelles estima que esses números revelam uma busca de consumo cultural que o mercado precisa preencher, ainda que com um custo mais baixo.
O espetáculo carioca "Savana Glacial" realizava uma temporada paulistana no Sesc Belenzinho quando houve a Virada Cultural na cidade. Com a gratuidade momentânea, o diretor Renato Carrera se surpreendeu com o afluxo de público. "Até então, as pessoas vinham dos bairros ricos", diz. "Nessa noite, o Sesc estava lotado e tivemos outro público, pessoas do bairro, que vinham entrando devagar e ficavam maravilhadas." Carrera celebra o diálogo maior entre o público e os atores do que nos outros teatros em que a peça foi encenada. "As pessoas são mais soltas, disponíveis, ávidas." Nos momentos de humor, o diretor identifica um "riso comunitário", oposto ao "riso comedido" dos frequentadores "tradicionais" de teatro.
As pesquisas de Laura Chiavone e Ana Kuroki também evidenciaram uma procura por ampliação do repertório cultural, que passava despercebida no planejamento das empresas. "Logo vimos que o poder de compra era só o primeiro passo. Perguntando sobre as preferências de consumo, ficou evidente quanto o repertório das pessoas havia se expandido. Era uma ampliação do campo de visão, dos assuntos pelos quais se interessavam e que queriam e conseguiam discutir", relembram. Para ilustrar o argumento, evocam a pirâmide de necessidades humanas proposta pelo psicólogo americano Abraham Maslow. Na base, as prioridades são fisiológicas e imediatas. Correspondem a um estado de miséria: alimentação, respiração, sono. Quando essas necessidades são satisfeitas, as demandas se tornam complexas e atravessam fases que vão de segurança e estabilidade a moralidade e família, até atingir a realização pessoal e outras ambições mais abstratas.
À parte a parcela da população que ainda vive na miséria, o fenômeno que chama a atenção é de um contingente que, já incorporado ao consumo de massa, vislumbra a possibilidade de escapar da pobreza definitivamente e manter uma carreira próspera. O caminho está na educação, como manifesta a expansão universitária. "Mas rapidamente a educação se revela também cultura", dizem as publicitárias.
"Há dez anos, os membros da classe C queriam que seus filhos fossem jogadores de futebol, cantores ou algo assim. Subir na vida era uma questão de sorte ou talento individual. Houve uma mudança no vetor de mobilidade social no Brasil e a cultura tem um papel importante."
Os alunos de Perla Assunção são jovens e adolescentes da periferia de São Paulo que buscam, como ela há uma década, encetar uma carreira que os coloque em melhor posição na sociedade. Perla observa a diferença na postura dos jovens quando são apresentados a cineclubes, aulas de dança, teatro, artes e outras atividades culturais abundantes no centro e escassas nos subúrbios. "Eles ganham em repertório e senso crítico. Sem a formação cultural, tudo fica no sonho. Da faculdade, esperam que mude a vida deles, como alguns que dizem querer estudar para ser alguém na vida, mas não fazem a lição de casa... Quando são confrontados à cultura, percebem que a mudança principal é neles mesmos."
Outro termômetro para captar o crescimento de demandas culturais está na movimentação do mercado e de instituições governamentais. "Fernando Henrique e Lula estão me trazendo clientes como nunca", diz Meirelles, aludindo à recente discussão em torno de um artigo do ex-presidente tucano, que se tornou uma disputa pelo eleitorado da "nova classe média". "Não são apenas os políticos que querem conquistar a classe C. As empresas também."
O mercado, explica Meirelles, busca capturar uma demanda que, mesmo difusa, já é identificável. Mas o caminho não é fácil, porque entre as empresas e os consumidores existe "uma dissonância cognitiva". "A ideia das empresas é introduzir novos clientes no mercado, mas 70% admitem ter preconceitos e a tendência é querer catequizar o consumidor."
O descompasso entre a tradição de investimento dos produtores e a demanda crescente na classe C tem como resultado que a maior parte das iniciativas de ampliação do mercado cultural precisa de impulsos do governo. "O custo de abrir um cinema voltado para a classe C é o mesmo dos cinemas para as classes A e B. Mas o preço, a estratégia de comunicação e a programação não podem ser os mesmos. Por isso, a presença do Estado ainda é fundamental nesses empreendimentos. Senão, eles não sairiam do papel", diz Manoel Rangel, presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine).
O cinema, com seu alto custo de instalação e operação, é um equipamento cultural particularmente difícil de introduzir em áreas novas e com menor poder aquisitivo. O setor mereceu, por isso, um projeto específico, desenvolvido pela Ancine (Agência Nacional do Cinema), com uma linha de financiamento no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O programa foi denominado "Cinema Perto de Você". "Um dos objetivos principais é reorganizar a propensão do empresário", diz Rangel. A expectativa é que os bons resultados induzam os exibidores a ter iniciativas semelhantes. "Instalar cinemas em áreas carentes desses equipamentos é um serviço prestado não só à população, mas também ao setor. Cria um mercado novo e desenvolve condições para que ele se torne sustentável."
O programa inaugurou em junho o primeiro complexo de salas dentro de um supermercado no bairro de Sulacap, zona Oeste do Rio de Janeiro. "São os primeiros cinemas do país que não ficam nem na rua, nem em shopping center", diz Rangel. Os cinemas "Cine 10" têm, no total, 1.373 assentos e são de responsabilidade da empresa Inovação Cinemas, de Adhemar de Oliveira e Thierry Peronne. Desde então, foram mais de 150 mil ingressos vendidos. No mês passado, mais seis salas foram inauguradas pelo programa, também no Rio de Janeiro, em Irajá, zona Norte, administradas pela empresa paranaense Cinesystem. Segundo Rangel, há mais 45 salas em consulta para receber financiamento do BNDES, em parceria com outras empresas de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
As iniciativas que já começam a dar frutos são aquelas que dispõem de modelos de negócios menos rígidos, como as franquias usadas pela rede de livrarias Nobel e a venda porta-a-porta da Avon, que, além dos cosméticos, leva livros a bairros e pequenas cidades sem livrarias. Sergio Benclowicz, da Nobel, afirma que "o modelo de franquias favorece a penetração em mercados mal explorados. Com a estrutura pesada de uma livraria normal, não compensa ir para os subúrbios. Mas os franqueados são pessoas do próprio lugar, que conhecem a população e suas demandas."
Uma das franqueadas da rede é Maria Alice Marcos Cecílio, que possui uma loja no bairro paulistano da Penha, dentro de um hipermercado. Ela se diz surpresa de ver que as pessoas leem muito mais do que ela esperava. A vendedora Ana Lúcia de Oliveira Silva conta que os compradores demonstram muito interesse por livros que dão indicações para ganhar dinheiro e subir na profissão. Para a franqueada, a preocupação com a carreira explica o sucesso de livros de autoajuda. "Dão respostas rápidas para problemas concretos e imediatos. É uma leitura simples. As pessoas procuram a autoajuda para melhorar profissionalmente, ganhar dinheiro, trabalhar a insegurança, incluindo a social."
Outro produto cujas vendas crescem acima da média, segundo Ana Lúcia, são os livros infantis. "Os pais entram na loja e dizem que nunca tiveram o hábito de ler, mas querem desenvolver esse costume nos filhos, porque agora têm dinheiro para comprar livros." Mas a falta de familiaridade com o livro pode provocar situações desconfortáveis. "A criança vem para a livraria e o pai puxa para fora, dizendo que o livro vai ficar largado ou que o filho vai rasgar as páginas. Não entendem que livro não é como televisão, é feito para ficar largado mesmo. É preciso deixar que a criança rasgue o papel para que adquira o hábito do livro", diz Maria Alice.
O movimento do mercado e do governo na direção da classe C ainda é lento, na avaliação dos profissionais que falaram ao Valor. "Boas iniciativas são ou muito recentes, ou muito limitadas, como os CEUs (Centros Educacionais Unificados) de São Paulo e os Pontos de Cultura", afirma Altair Martins. "Falta às políticas públicas uma perspectiva de longo prazo, que assegure aos jovens o acesso ao conhecimento e à cultura. O Brasil vai sentir essa vulnerabilidade cultural, porque é a cultura que dá às pessoas a opção de vida. É preciso uma política que faça com que o jovem crie."
Na perspectiva histórica, Martins aponta que a política pública de cultura no Brasil foi feita, tradicionalmente, com pouca presença na periferia. "Como consequência, as manifestações culturais periféricas foram sempre acontecendo por fora e as pessoas criaram códigos muito particulares, que foram surgindo com a dinâmica das próprias pessoas."
Essas manifestações estiveram sempre à margem do circuito cultural, mas, para artistas oriundos dos subúrbios, a visibilidade de seu trabalho está em alta. Os novos horizontes são explicitados pelo MC Dudu de Morro Agudo, de Nova Iguaçu (RJ), que cita os pioneiros da arte da periferia que romperam a barreira do isolamento: o escritor Ferrez, o poeta Moduan Matus, o conjunto Racionais MCs. "Antes, ficávamos isolados nas favelas, não tínhamos acesso aos equipamentos culturais do centro, e enquanto alguns foram ao centro para conhecer pessoas e interagir, outros criaram equipamentos culturais nas periferias. As periferias se tornaram centros, que começaram a atrair os moradores do centro, os gringos, a imprensa. Isso se transforma em dinheiro, comércio, sobrevivência, através de um novo mercado, porque alguns acreditaram."
Ou seja, o eixo mais vistoso da demanda cultural de populações ascendentes está do lado da produção. Segundo Meirelles, "quem tem o volume de dinheiro dita as tendências. Hoje, o dinheiro está com a classe C". Descobre-se a vertente cultural da ascensão da classe C no espaço que artistas suburbanos encontram para seu trabalho. Mais ainda, a resposta da sociedade é significativa, diz Meirelles. "O que mais se vê agora são jovens louros, brancos e ricos usando 'dreadlocks' no cabelo. Os criadores de moda, de arte, de vestuário, de comportamento, passaram a vir de lugares que ontem eram guetos, não mais da elite."
O rapper Marcão Baixada, também do Rio de Janeiro, complementa o raciocínio de Dudu e manifesta a inversão de perspectiva. "A arte do centro está escassa. Falta criatividade e originalidade de criação e promoção. A periferia encontrou, em diversos meios alternativos e acessíveis, uma forma de produzir, criar e promover com criatividade. Isso faz com que a arte da periferia ganhe respeito e espaço, para que os consumidores e produtores culturais se tornem capazes de pensar em novas formas de empreendimento artístico."
Laura Chiavone e Ana Paula Kuroki também veem nas periferias a maior fonte de criatividade no Brasil de hoje. "O 'hype' está em olhar o que está fazendo a classe C. A classe A está um pouco mofada e a classe B está deslocada. Não conseguem dialogar com as populações que estão subindo". A conclusão é que "a barreira cultural está destruída". Segundo elas, "as classes abastadas dependem da nova classe média para viver. É o principal mercado consumidor e fonte de mão-de-obra. Não é mais possível fortalecer barreiras. A classe alta quer marcar sua diferença, mas essa diferença pode lhe fazer muito mal, isolando-a dos verdadeiros circuitos de produção de riqueza".
Fonte: Valor Econômico
Consciência de si e contato com o outro
20/05/2011
Para Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc em São Paulo , no crescimento da classe média "o valor econômico é importante, mas o valor cultural vem sempre antes"Danilo Santos de Miranda tem formação em sociologia e filosofia, especializou-se em ação cultural e dirige desde 1984 a regional São Paulo do Serviço Social do Comércio (Sesc). Em sua gestão, as unidades paulistas do Sesc se tornaram uma das principais referências culturais do país. Além de atividades de lazer, os usuários têm acesso a exposições de arte, espetáculos teatrais, apresentações de música e outras manifestações de arte a preços acessíveis. A instituição tem mais de 1,6 milhão de pessoas matriculadas, mais de nove entre dez pertencentes às classes C, D e E.
Miranda ressalta o vínculo essencial entre a oferta de atividades de arte e a demanda por valores culturais mais amplos: saúde, serviços públicos, respeito às diferenças. "A sociedade vai exigindo, através dos meios de comunicação e da convivência com os demais. A percepção da vida melhor tem a ver com a necessidade de mais informação e mais conhecimento", afirma.
Valor: O crescimento da classe média no Brasil produz um novo tipo de consumo cultural...
Danilo Miranda: Em todas as áreas, inclusive no campo da cultura. Já é enorme a presença da nova classe média em tudo. Existe uma novidade efetiva, que é a busca do status através da informação para pessoas que antes não tinham acesso. Elas encaram essa possibilidade como o insumo fundamental para sua ascensão. O conhecimento leva a um emprego melhor, a uma vida melhor. A ascensão econômica integra uma busca de ascensão cultural. Há uma mistura desses dois sentimentos, dessas duas decisões de interesse.
Valor: Um dos problemas para identificar o fenômeno é a variedade de definições possíveis para o conceito de cultura.
Miranda: Procuro ser abrangente no entendimento da cultura. De modo geral, ela tem de ser definida como algo que abrange a vida do ser humano como um todo. A cultura define que alguém goste de tal camisa e não compre aquela outra. Isso não é só gosto. Tem a ver com valores: sobriedade ou exagero, por exemplo. Tudo isso é cultura. Ao entender essa abrangência, a cultura ganha um significado para toda a vida humana. Para mim, o entendimento efetivo de cultura tem a ver com o momento em que o indivíduo começa a ter contato com o outro. Tudo isso tem sentido cultural. Nascimento, vida, prolongamento, a escola, a busca permanente do conhecimento e da informação, o processo de comunicação inteiro.
Valor: O senhor mencionou o contato com o outro como central na cultura. No caso brasileiro, a introdução desse contato numa sociedade tradicionalmente sectária produz conflitos?
Miranda: Conflitos terríveis. O Brasil era um país escravocrata legalmente até 123 anos atrás. Isso é muito recente na história do ser humano. Fomos escravocratas ontem, achando que era a coisa mais normal. A igualdade e a diversidade, como valores fundamentais, são uma novidade difícil entre nós. Esses valores também se produzem culturalmente. Durante anos, os pais passam valores para os filhos sobre o outro. Se forem equivocados, essa visão se torna inerente à pessoa quando cresce. Quando o indivíduo se torna adulto, não consegue admitir a diferença como algo normal. O preconceito não é o problema. O problema é saber como se lida com o preconceito, ter a maturidade de perceber como as coisas são de fato. Portanto, o caso é: primeiro, a relação consigo mesmo; segundo, a relação com o outro. Um terceiro aspecto é a questão de onde estamos metidos, a relação com o urbano, o ambiente.
Valor: Como essas questões se manifestam no Sesc, que está em posição particularmente favorável para responder a essa expectativa cultural?
Miranda: Para nós, a cultura é mais central do que se imagina. O valor econômico é importante, mas o valor cultural vem sempre antes. Isso não quer dizer que saber, estudar, ler, conhecer, tocar um instrumento, vai dar dinheiro, mas, com esse nível de informação, com a capacidade melhor de entender a realidade, uma pessoa se prepara melhor para ganhar dinheiro. Para nós, o conceito de cultura tem a ver com convivência, com o ambiente, com uma relação adequada consigo mesmo, com seu corpo, com sua condição física, com sua saúde, seu bem-estar. Outra coisa é a convivência. A humanidade ainda está tomando consciência da igualdade. Só é um dado cultural fundamental desde o século XVIII. Até então, havia gente que achava que índio não tinha alma e negro não era gente. Então, advogava a escravidão. A percepção da igualdade está no fundamento de nossos conceitos de educação, cultura, democracia, acessibilidade etc.
Valor: No momento da instalação de uma unidade, como essa preocupação toma forma?
Miranda: Em Santo André , instalamos um Sesc entre três ou quatro favelas. Durante a obra, tínhamos invasões, gente que entrava na piscina sem autorização e outros problemas com o entorno. Era alguém estranho chegando. Quando inauguramos, procuramos trazer os moradores da região, de todos os níveis sociais, desde o mais pobre até o da classe média para usar os equipamentos, a piscina - se fizesse exame médico -, o computador com internet livre, desde que lavasse as mãos antes. Podia entrar descalço. Por que vou proibir que a pessoa entre descalça? Os moradores começaram a se apropriar do espaço e os próprios representantes dos grupos perigosos da região determinaram para os comparsas que no Sesc não se podia mexer.
Valor: Existe uma perspectiva de que o Sesc age onde o Estado falhou.
Miranda: Por sermos uma instituição híbrida, com função pública e estrutura jurídica de caráter privado, agimos sobre algo parecido com a área de atuação do Estado. Mas o Estado deveria cuidar só de duas áreas na cultura: fomento e infraestrutura. Incentivar, e não patrocinar diretamente. Ele tem um papel vital nessa cultura de caráter público, essa cultura é para todos, cultura como fomento e desenvolvimento de uma perspectiva educativa pública. (DV)
Fonte: Valor Econômico
Espetáculo de poesia
Mariane Morisawa | Para o Valor, de São Paulo
20/05/2011
O espaço reservado para a apresentação "Intervenção Modulada" na biblioteca municipal em Ermelino Matarazzo é pequeno, mas os cinco músicos do coletivo Poesia Maloqueirista se apertam. Diante deles, quase 40 pessoas - número expressivo para uma tarde de quarta-feira. No começo, impera a timidez. Mas logo alguns participantes vão relaxando e soltando frases como "não sou o dono do mundo, mas sou filho do dono" para os rapazes do coletivo musicarem. Pouco depois, chega Zinho Trindade, que apresenta sua poesia de forma semicantada. Ele pede a participação do público, que corresponde, fazendo coro, batendo palma.
Longe dali, numa quinta-feira, pouco mais de 50 espectadores espalham-se pelas mesinhas, comem torta e bolo e esperam o início do "Zap!", promovido pelo Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, na Pompeia. O "Zap!" (Zona Autônoma da Palavra) é pioneiro do "slam" - poesia falada nos ritmos das palavras e da cidade - no Brasil.
Por uma hora, o microfone fica aberto para os inscritos apresentarem seus poemas. O MC Brejeiro inspira-se no rap. Daniel Minchoni realiza uma apresentação performática. Paulinho das Frases, sem constrangimento, diz suas máximas assumidamente infames. Na segunda parte, é a hora da competição. Cada um dos "zapoetas" tem três minutos para dizer um poema de autoria própria. As notas são dadas por espectadores, num sistema de plaquinha. Ao final, é eleito o "zapeão".
Na Casa das Rosas, na avenida Paulista, o diretor Frederico Barbosa guarda com carinho a carta de um vizinho, que, em princípio, dizia ter ficado muito feliz ao saber que ali seria um espaço de poesia, silencioso como uma biblioteca, portanto. "Mas que diacho aconteceu que tem essa gritaria, música e tudo?", estranhava o missivista.
Nas performances de Ricardo Aleixo, a palavra é o centro, mas ganha som, imagem e até dança. Ricardo Domeneck, por sua vez, coloca na internet seus videopoemas para serem vistos por milhares de pessoas. "Hoje em dia, há várias formas de apresentar a poesia", diz Frederico Barbosa. A apresentação torna-se tão importante quanto a junção de conteúdo e forma própria da linguagem poética.
Toda vez que olha o retrato de Ramos de Azevedo, arquiteto responsável pelo belo projeto da Casa das Rosas, Barbosa diz pensar: "Ele não ia gostar disso, que legal". "Antes a poesia era feita por um grupo mínimo. Hoje se espalhou, surge na periferia, no Pará, na Paraíba. Há realmente uma explosão de poesia", afirma.
Não que a apresentação de poesia que se vê hoje seja algo totalmente novo. Para ficar só no Brasil, as experimentações abertas pelos concretistas nos anos 1950 e 1960 permitiram mais risco para os poetas. Augusto de Campos já brincava com letras coloridas - algo que agora pode ser feito facilmente num computador simples - e apresenta-se há muito ao lado do filho Cid, músico.
Nos anos 1980 e 1990, os saraus, também originalmente promovidos pelas elites, viraram moda no Rio de Janeiro, liderados por poetas como Chacal, ídolo das novas gerações. Barbosa diz que o movimento gerava certa desconfiança entre os poetas de São Paulo. "A gente achava exibicionismo de poeta gritando e fazendo teatro. Mas o movimento pegou em São Paulo a partir dos anos 2000, e boa parte vem da periferia", afirma.
A organização social Poiesis (Instituto de Apoio à Cultura, à Língua e à Literatura) mapeou cerca de 100 pontos de poesia em São Paulo , grande parte na periferia, como os saraus do Binho e da Cooperifa, produtores e disseminadores das vozes dos subúrbios paulistanos. "Nesses lugares, a poesia é apresentada às pessoas e ganha forma de comunhão", explica Barbosa. O meio em que o poema é apresentado interfere na sua concepção. "São feitos para serem lidos. O poeta cria um pacote do poema com a apresentação."
O Coletivo Poesia Maloqueirista, por exemplo, defende as apresentações que pedem a participação da audiência, colocando artista e público num mesmo patamar, como os saraus. "É um rito em que todos estão conectados com a palavra e suas variadas possibilidades de execução, denunciando, ironizando, contemplando, todos buscando ser ouvidos e a partir daí educar o ouvir também", diz Caco Pontes, integrante do coletivo.
Os saraus tornaram-se um movimento tão importante que foram absorvidos por instituições estabelecidas, como a Casa das Rosas, ligada ao governo estadual; o evento Outubro Independente, promovido pelo Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso e subsidiado pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo; e o Circuito Sesc de Artes, que percorreu cidades do interior do Estado de São Paulo. "A proposta do circuito é circular a produção artística brasileira. Em São Paulo , como há uma força muito grande dos saraus, que crescem nas periferias, precisávamos nos aproximar dessa produção", diz o curador Sergio Pinto.
Em geral, a poesia contemporânea mistura linguagens sem grandes pudores. O Coletivo Poesia Maloqueirista articula atividades interdisciplinares, do espetáculo-intervenção Malocália à banda performática Experimento Prosotypo. "A poesia está ligada diretamente à sensação, algo totalmente sinestésico. É signo, código, linguagem, ultrapassa o verso, a forma literária. A mistura e o diálogo entre a imagem, o som e o movimento, com o ritmo e a métrica, fortalecem bastante esse organismo e até estimulam o interesse pela sua absorção", diz Caco Pontes. A mescla mais tradicional é entre poesia e música, algo que nomes estabelecidos como Alice Ruiz, Ademir Assunção e Marcelo Montenegro fazem. Não faltam, entretanto, junções de poesia e artes plásticas, poesia e dança, poesia e vídeo.
"Essa mistura de linguagens é o estado natural da arte. Estancar as práticas artísticas em gêneros incomunicáveis é algo muitíssimo recente. Os poetas sempre se aproveitaram das novas técnicas e tecnologias", diz Ricardo Domeneck. Assim como ele, há vários que criam videopoemas ou que brincam com flash. "São poemas com movimento, com som, que se aproximam da noção da linguagem verbivocovisual, de envolver todos os aspectos do poema, o verbal, o vocal e o visual", explica Barbosa, evocando palavra criada por James Joyce e perseguida pelos concretistas.
Tudo isso resulta numa coisa: democratização. E é um caminho sem volta. "Considero um momento privilegiado, de popularização, de conquista da voz manifestada por classes sociais inferiores financeiramente, com a criação de identidades por meio de uma poesia muito ligada ao cotidiano, criando uma aproximação maior da realidade do povo, presente no bar de periferia, na escola, ou até nas mídias de massa em maior proporção e não só nos meios elitistas e intelectualizados", diz Pontes. Roberta Estrela D'Alva, do Zap! Slam, que existe há dois anos em São Paulo , compartilha a opinião de que saraus e afins promovem diversidade. "E tiram esse negócio de que a poesia é de alguns. A poesia é de todos", afirma.
Domeneck, que mora em Berlim, também enxerga uma maior pluralidade, "por causa das novas tecnologias com as quais muitos poetas agora experimentam, e ainda pela miscigenação dos gêneros, as misturas de práticas que já estiveram unidas mas foram separadas por um tempo pela crítica em gêneros artísticos diferentes, e agora estão começando a se unir de novo", diz. Frederico Barbosa só ressalta que toda democratização vem acompanhada de uma massificação. "Quando espalha para todo o mundo, tende a baixar o nível. É legal que todo mundo suba junto", diz Barbosa. Ele defende que os poetas recebam treinamento. "Na literatura, há essa noção de que é possível sair fazendo." Assim, haverá mais e melhores poetas, acredita.
Os livros também têm um lugar nesse cenário. Barbosa conta que vende mais exemplares das obras que colocou na íntegra em seu site pessoal, com 1 milhão de acessos. Ele acredita que os volumes em papel perderam importância. "Antes, um poeta só era considerado como tal se tinha publicado livro. Agora há poetas que só publicam na internet." Essa pulverização é uma das razões da dificuldade, até dos críticos literários, de entender o fenômeno, segundo Domeneck.
"Talvez estejamos entrando em um longo período de convivência entre trabalhos artísticos reconhecíveis pelos parâmetros antigos e trabalhos que ficarão por um bom tempo como 'inclassificáveis'", diz. "Há um preconceito de literatos contra a cultura oral. Isso é muito prejudicial à poesia. Acredito que o uso das novas tecnologias e dos portais na internet vai trazer novas transformações à poesia e que ela está às portas de voltar a ser uma das práticas mais prestigiadas no mundo artístico." Daí sua defesa do uso de vídeos no YouTube e Vimeo para publicação de textos. A morte da poesia não parece estar próxima de acontecer neste século, em que ela está mais popular que nunca nos saraus, nas competições divertidas, nas performances multimídia ou na tela do computador, com som e imagem.
Fonte: Folha de S. Paulo
Livro digital supera o de papel em vendas, diz Amazon
DA REUTERS - A Amazon.com informou que já vende mais livros digitais do que de papel e disse que a versão mais barata do seu leitor eletrônico está superando as vendas de outros modelos do aparelho.
A Amazon não divulgou os dados exatos de venda do Kindle e dos livros digitais, mas afirmou que, para cada 100 livros impressos vendidos desde 1º de abril, 105 livros digitais foram comercializados.
A estatística inclui volumes de capa mole e de capa dura e exclui downloads gratuitos.
No mês passado, a Amazon lançou um Kindle por US$ 114 (R$ 184), US$ 25 (R$ 40) menos que a versão seguinte mais cara. A nova versão do aparelho exibe publicidade.
Fonte: Folha de S. Paulo
Flip anuncia Nicolelis e David Byrne
Neurocientista brasileiro e músico americano são algumas das novidades da festa literária que ocorre em julho
Organização afirma que crítico Antonio Candido aceitou convite e fará conferência de abertura em tributo a Oswald
FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO
O neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, o músico americano David Byrne, o ensaísta mexicano Enrique Krause e o britânico John Freeman, editor da revista literária "Granta", estarão na próxima Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).
Os nomes foram algumas das novidades do anúncio, ontem, da programação oficial da festa, que neste ano ocorre de 6 a 10 de julho.
Os organizadores asseguraram que o crítico Antonio Candido fará a conferência de abertura, sobre o homenageado Oswald de Andrade (1890-1954). À Folha Candido disse que, por sua idade e saúde, não havia decidido -ele fará 93 anos em julho.
Presente à entrevista coletiva, Marília de Andrade, filha de Oswald, disse que Candido lhe afirmou que só aceitara por se tratar de um tributo ao pai dela, de quem foi amigo e incentivador.
"Cheguei para falar com ele dizendo que tinha uma missão impossível. Depois de muita conversa, ele me disse que era um convite irrecusável", afirmou Marília.
O curador da Flip, Manuel da Costa Pinto, declarou que o crítico não irá confirmar a informação à imprensa, por ter receios sobre sua saúde e por não gostar de exposição.
Por isso, Costa Pinto e Marília pediram que jornalistas não procurassem Candido.
O curador disse que David Byrne, ex-líder do Talking Heads, falará sobre música e arte, mas também de sua atividade como cicloativista.
Ontem também foram anunciadas as presenças do crítico argentino Gonzalo Aguilar e das francesas Michèle Petit (antropóloga) e Dominique Gauzin-Müller (jornalista e arquiteta).
Entre os brasileiros, outras novidades anunciadas foram o escritor Ignacio de Loyola Brandão, o filósofo Luiz Felipe Pondé, colunista da Folha, o editor Marcelo Ferroni e o crítico e professor Teixeira Coelho, curador do Masp.
Estudiosos da obra de Oswald, Marcia Camargos, João Cezar de Castro Rocha e Eduardo Sterzi integrarão as mesas dedicadas a debater o homenageado.
TENDAS JUNTAS
Presidente da Casa Azul, associação que organiza a Flip, o arquiteto Mauro Munhoz anunciou que neste ano a Tenda do Telão ficará ao lado da Tenda dos Autores, local dos debates principais (até o ano passado elas ficavam separadas pelo rio Perequê-Açu).
Os ingressos custarão o mesmo que no ano passado: R$ 40 para a Tenda dos Autores, R$ 10 para a do Telão.
O orçamento da Flip, segundo Munhoz, será de R$ 6,8 milhões, aumento de 8% em relação a 2010 (R$ 6,3 mi ). Parte é captado via Lei Roaunet. O Itaú Unibanco continua como principal patrocinador, seguido por CPFL e Petrobras -a estatal patrocinará a Flipinha.
Fonte: O Estado de S. Paulo
Centro de SP abrigará a memória judaica
Começam na segunda as obras do espaço que vai guardar acervo de 1,5 mil peças
20 de maio de 2011 | 0h 00
Vitor Hugo Brandalise - O Estado de S.Paulo
A história da comunidade judaica no Brasil será apresentada em um único espaço na capital paulista. Na segunda-feira, começam as obras do futuro Museu Judaico de São Paulo, único do tipo no País, que retratará o papel do judaísmo na formação contemporânea nacional. O próprio prédio onde ficará o museu já conta um pouco dessa história: será no antigo Templo Beth-El, tradicional sinagoga do centro, agora transformado em equipamento de cultura.
Desde 2006, a diretoria da instituição tenta conseguir recursos para iniciar as obras, orçadas em R$ 22 milhões. "Agora, a captação que já fizemos permitiu o início das obras. O Museu não vai falar apenas da história dos judeus no Brasil, uma história de 500 anos, mas reforçará também o sentimento de cidadania. Falará sobre uma comunidade que se integrou e colaborou com a criação da identidade do País ao longo dos anos", explica o presidente do Museu Judaico, Sérgio Simon.
O acervo do museu será formado por 1,5 mil peças - utensílios domésticos, objetos de decoração e artigos religiosos usados por imigrantes judeus de Polônia, Rússia e Turquia, entre outros países, nos séculos 18 e 19.
Obras dos primeiros artistas judeus que se estabeleceram no País também fazem parte do acervo do museu. "Há grande preocupação em salvaguardar a memória das famílias judias que vieram morar no Brasil. Será um espaço adequado para guardar esse acervo", conta Maria Ignez Mantovani, responsável pelo projeto museológico.
O novo museu contará ainda com biblioteca temática e centro de referência para pesquisas sobre a história do judaísmo. "Também utilizaremos recursos tecnológicos e interativos. A história da comunidade e seus reflexos na sociedade brasileira serão contados por meio de som e imagem, em um projeto ainda a ser definido", disse Simon. O projeto museológico completo deve ficar pronto no início de 2012.
Fonte: O Estado de S. Paulo
Na Amazon, eBook vende mais que livro de papel
Liderança em volume, porém, não se reflete em faturamento, uma vez que o preço do livro digital é baixo, comparado ao das edições tradicionais
20 de maio de 2011 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
NOVA YORK
AAmazon informou ontem que suas vendas de livros digitais superaram a comercialização de edições tradicionais, em papel. A dianteira dos e-books sobre as obras em papel nas vendas da gigante da internet já é da ordem de 5%.
A Amazon, que não divulga dados específicos, disse apenas que, desde o dia 1.º de abril, para cada 100 livros tradicionais vendidos, 105 edições digitais foram comercializadas. As estatísticas incluem tanto edições de capa dura quanto em papel jornal e excluem obras oferecidas gratuitamente para download.
O fundador da Amazon, Jeff Bezos, destacou a rapidez com que a introdução dos leitores digitais conseguiu mudar o perfil do mercado. "Sabíamos que a liderança dos livros digitais ocorreria um dia, mas não imaginávamos que seria tão rápido. A Amazon vende livros há 15 anos, e o Kindle só existe há quatro", frisou o executivo.
Segundo dados da Associação Americana de Editores citados pelo Financial Times, as vendas de livros para o Kindle subiram 146% no acumulado de 2011, em relação ao mesmo período do ano passado. A entidade disse que a Amazon e outros sites de vendas online devem ser beneficiados pelo processo de falência da rede de livrarias Borders, nos Estados Unidos.
Faturamento. Apesar do barulho que a notícia gerou no mercado editorial, especialistas no setor dizem que os dados refletem apenas o volume vendido, e não o faturamento - muitas obras oferecidas online custam menos de US$ 1.
Nos Estados Unidos, as vendas de livros digitais somaram US$ 69 milhões em março, aponta o FT. Os livros de papel jornal tiveram receita de US$ 116 milhões, enquanto os de capa dura geraram US$ 97 milhões.
Nicola Solomon, secretário-geral da Sociedade de Editores da Inglaterra, afirmou ao jornal britânico The Guardian que o anúncio da Amazon não foi surpreendente. Já Neill Denny, chefe da editora Bookseller, disse que o dado não reflete sucesso financeiro. "É uma manchete interessante. Mas, em termos financeiros, não sei se a mesma lógica pode ser aplicada, uma vez que os ebooks ainda são vendidos a preços muito baixos."
Mais de 650 mil títulos digitais estão disponíveis para venda na Amazon.com - entre as obras mais vendidas em 2011 figuram O Porão, de Stephen Leather, que custa o equivalente a US$ 0,80.
Neill Denny afirma, porém, que o fato de o mercado digital não ter os custos atrelados à impressão em papel dá uma vantagem competitiva inegável aos ebooks. "Cada aparelho Kindle vendido é potencialmente um consumidor que o livro tradicional perde. Não dá para esconder esse fato", afirmou o editor ao The Guardian.
Kindle. A Amazon anunciou também que as vendas da nova versão "popular" de seu leitor digital Kindle superam as marcas atingidas pelas outras versões do aparelho.
A versão popular do Kindle, que lidera as vendas atualmente nos Estados Unidos, tem o preço sugerido de US$ 114. Para economizar US$ 25 em relação ao aparelho tradicional, o cliente concorda em receber mensagens publicitárias.
O Kindle lidera o segmento de e-readers. Estão nessa disputa o Nook, da Barnes & Noble, e o iPad, da Apple. / AGÊNCIAS INTERNACIONAIS
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